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As cruzes do convívio

Redação (Sexta-feira, 22-03-2019, Gaudium Press) No trato com as pessoas, uma palavra, um olhar, um gesto, tudo pode contribuir para o progresso ou decadência na vida espiritual.

Assim, suportando os pequenos padecimentos do relacionamento humano, colaboramos com a obra da Redenção, à qual Nosso Senhor quis misteriosamente nos associar.

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Sobre este tema temos palavras de Plínio Corrêa de Oliveira que trazemos para nossos leitores:

Temos aqui uma das páginas admiráveis de São Luís Grignion de Montfort (1) , em que ele realça o valor da pessoa que abraça verdadeiramente a cruz.

Levar a cruz com alegria, ardor e coragem

“Tollat crucem suam” (Mt 16, 24): que carregue a sua cruz. Suam, a dele! Que esse homem, que essa mulher “de ultimis finibus pretium ejus” (Pr 31, 10) – cujo preço toda a Terra, de uma extremidade a outra, não poderia pagar – tome com alegria, abrace com ardor, e leve aos ombros com coragem a sua cruz, e não a de outro; a cruz que com a minha sabedoria fiz para ele em número, peso e medida (Sb 11, 20); sua cruz que, com minhas próprias mãos, pus com grande exatidão, suas quatro dimensões, a saber: sua espessura, seu comprimento, sua largura e sua profundidade (Ef 3, 18).

Sua cruz, que lhe talhei de uma parte da que carreguei no Calvário, por um efeito da bondade infinita que tenho para com ele.

Sua cruz que é o maior presente que possa fazer aos meus eleitos na Terra.

Sua cruz, composta em sua espessura das perdas de bens, das humilhações, dos desprezos, das dores, das enfermidades e das penas espirituais, que devem por minha Providência chegar-lhe cada dia, até a morte.

Sua cruz composta, em seu comprimento, de certo número de meses ou de dias em que ele deverá ser aniquilado pela calúnia, estar estendido num leito, ser forçado a mendigar, tornar-se presa das tentações, da aridez, do abandono e de outras penas do espírito.

Sua cruz composta, em sua largura, das circunstâncias mais duras e mais amargas, sejam elas causadas pelos amigos, criados ou parentes.

Sua cruz, enfim, composta, em sua profundidade, pelas mais ocultas penas com que o afligirei, sem que possa encontrar consolação nas criaturas que, por minha ordem, voltar-lhe-ão mesmo as costas e juntar-se-ão a Mim para fazê-lo sofrer.

Nosso relacionamento com os outros

É tal o valor de quem aceita carregar a própria cruz que é preciso ir até os confins do universo para encontrar uma pessoa que valha tanto. Todo o ouro da Terra não poderia pagar uma pessoa assim.

Realmente, a obra-prima de Deus no universo é a pessoa que carrega a cruz. Cruz composta do levar todo o sofrimento que traz consigo o perfeito cumprimento da vontade divina sobre nós. Eis o peso de nossa cruz. Portanto, uma pessoa capaz de fazer isso vale um preço que todo o ouro, toda a prata, todos os tesouros da Terra seriam insuficientes para pagar.

Logo, uma pessoa, por menos dotada que seja, ainda que valha pouco e seja nula do ponto de vista humano, se carrega a sua cruz não há ouro no mundo inteiro que valha tanto quanto essa pessoa.

Daí o fato de devermos ter tanta alegria quando vemos alguém progredir nessa aceitação da cruz, pois cada vez mais ele vai se identificando com esse ideal de valer mais do que todo o ouro da Terra.

Na vida de todos os dias, nós temos isso bem presente?

Cada alma está, a toda hora, progredindo ou decaindo, subindo ou descendo, ainda que seja um pouco. Se cada vez que tratássemos com alguém tivéssemos isto inteiramente em vista e de modo consciente: qualquer palavra que eu diga nesse momento pode aumentar esse tesouro e torná-lo mais magnífico; qualquer omissão minha pode fazer com que esse tesouro se torne menos esplendoroso; qualquer palavra errada minha pode arrancar de dentro desse tesouro algum valor. Se tivéssemos isso bem presente, não é verdade que nosso viver seria completamente diverso?

Também seria um existir com muito mais sabor, mais interesse. Porque então veríamos nosso relacionamento como uma espécie de prodigiosa partilha, na qual cada um de nós tem em relação ao outro um papel, uma tarefa, uma missão individual.

A todo momento podemos estar, em relação com cada alma, fazendo- -a subir ou decair. Se cada um tiver a intenção de fazer à alma do outro todo o bem que possa, sem dúvida o realizará. Essa é a pura verdade. Porque a capacidade de comunicar e de incendiar do zelo é enorme! Às vezes, basta uma palavra, um olhar, uma atitude, uma maior simpatia para tocar uma alma para a frente.
Alguém dirá:

“Mas eu já tentei isso com vários muitas vezes, e não consegui nada.”

É verdade, mas não importa. Vá fazendo. Um dia virá em que o peso de tudo quanto se realizou e não adiantou, Nossa Senhora fará frutificar pela palavra de um outro. Então, o mérito do que eu possa ter dito florescerá de repente.

Quer dizer, eu não perdi absolutamente o meu tempo batendo à porta, pedindo, convidando, atraindo, apagando-me quando notava estar sendo molesto. De tudo isso não terei perdido nada, porque dá glória a Nossa Senhora e fica inscrito no livro da vida para o bem da minha alma.

Em certo momento aquele que foi objeto de meus esforços recebe, pelo ministério de outro, uma graça que vai tocá-lo e convertê-lo.

Essa graça veio, em grande parte, por causa de tudo quanto eu fiz, perseverantemente, para conseguir a salvação daquela alma.

Como continuamente fazer o bem à alma de outrem?

Aqui vale muito a teoria dos pequenos sacrifícios, de Santa Teresinha do Menino Jesus. Porque isso, em si, não custa tanto, ao menos tomada alma por alma. São sacrifícios minúsculos como uma acolhida afável, pela qual o outro perceba nossa afinidade com ele pelos lados bons. Simplesmente isso pode fazer um bem enorme.

Ou então um pequeno favor, uma pequena atenção, dirigir a palavra a alguém quando se percebe que aquele está sem prosa. Enfim, qualquer coisinha assim.

Mas essa preocupação de estar continuamente fazendo bem à alma de outrem ou, muito delicadamente, reprimindo o mal na alma desse ou daquele é de um valor incalculável.

Reprimir os defeitos dos outros não consiste, necessariamente, em empunhar o rebenque contra eles. Isso pode ser eficaz quando tratamos com os filhos da Revolução, inteiramente entregues ao mal. Mas não com os filhos da Contra-Revolução. Refrear os defeitos alheios não consiste, sobretudo, em dizer algo quando estamos irritados. Porque o verdadeiro zelo produz necessariamente frutos de paz. Mesmo quando ele dá origem a uma palavra inflamada, esta sai sem a irritação e a vibração sensível, características do amor-próprio ferido. Onde entra esse tipo de excitação, o zelo está conjugado com algo que não é zelo. E a parte dinâmica está não no zelo, mas nesse outro elemento no qual entrou o egoísmo.

O puro amor de Deus não levaria a agir com impaciência. No convívio entre os filhos da luz, nós só temos o direito de punir a alma que esteja aberta para a punição. Essa sim receberá com retidão e com avidez a repreensão.

Não devemos agir, portanto, como se pegássemos uma rês e a marcássemos com ferro em brasa: garroteamos e metemos o sinete!

Absolutamente não é assim. Como punir? É, no trato com a pessoa, estabelecer o vácuo em torno dos defeitos dela, de maneira a fazê-la notar que tais imperfeições não têm a menor acolhida de nossa parte. As qualidades sim, mas os defeitos não. O indivíduo assim tratado percebe que por um lado é muito atraído, mas por outro há uma zona de vácuo e silêncio. Isso causa na pessoa uma certa sensação de mal-estar, mas é no fundo benfazeja porque afasta o que é mau e põe em dinamismo aquilo que de bom existe nela.

Modo de Dr. Plinio cumprimentar as pessoas

Certa ocasião, uma pessoa me dizia não compreender porque se formava um chumaço de gente para me cumprimentar, quando eu saía de uma de nossas sedes. Ela se perguntava qual era o bem que um cumprimento tão fortuito podia fazer.

Eu não quis dizer nada, mas tenho certa experiência e, por isso, ao cumprimentar alguém, presto inteiramente atenção na pessoa, tenho em vista o estado de alma dela e desejo sua santificação. Um cumprimento assim, mesmo sendo um contato fugazíssimo, é de molde a fazer bem.

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A alma fica livre de rejeitar e deixar cair no chão, mas, pelo menos as que queiram aproveitam algo com isso.
Por exemplo, quando se cumprimenta uma pessoa, ter interiormente amor pelos seus bons lados, considerando como ela seria se fosse santa; creio que bastaria isso para fazer- -lhe um bem considerável.

Essas são as mil pequenas coisas as quais fazem com que, a todo momento, possamos estar melhorando ou piorando um ambiente.

Embora para nós isso constitua uma cruz, alivia a cruz dos outros.

Não se trata de uma amabilidade humana, laica, com a mão estendida à maneira de campanha eleitoral. Mas é uma impostação espiritual, tendo a ideia de como é aquela alma, amando-a pelo que ela em parte já tem de bom, e por aquilo que é chamada a ser.

Isso seria uma coisa maravilhosa!

Nosso Senhor quis associar nossos sofrimentos à sua missão redentora

Alguém poderá objetar: “Por que o senhor diz com tanta ênfase algo que é tão sabido?”

Porque são as verdades mais conhecidas e fundamentais que nós devemos amar com maior entusiasmo. Por isso tenho esse ardor e essa alegria em constatar que isso é assim, e ver a beleza da ordem de coisas posta por Deus e auxiliada continuamente por Nossa Senhora, com suas preces.

Algumas pessoas são dotadas de um gênio muito fácil, outras não. Conforme o temperamento isso é mais difícil, entendo bem, mas há maior mérito. Sem dúvida, isso é mais meritório num genioso do que em alguém com um temperamento mais apático. Reconheço e presto homenagem. Mas façamos assim e será um gáudio, como o trato entre os Anjos no Céu. Esse é o valor de quem carrega a sua cruz.

São Luís diz que Nosso Senhor Jesus Cristo prepara a cruz de cada um com conta, peso e medida, talhada da própria Cruz d’Ele. É uma metáfora linda!

O nosso sofrimento, aceito por amor ao Redentor, é uma espécie de complemento dos padecimentos d’Ele no Calvário. Por uma disposição misteriosa da Providência – embora o sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo tenha valor infinito, e uma gota de Sangue da circuncisão teria sido suficiente para remir todos os homens -, Ele quis derramar todo o seu Sangue. Mais ainda: quis associar, de algum modo, o sofrimento dos homens à sua missão redentora. Então, os nossos sofrimentos são um prolongamento dos d’Ele, a nossa cruz, um prolongamento da Cruz d’Ele.

 

Por Plinio Corrêa de Oliveira

(Conferência de 5/8/1967, in “Revista Dr. Plinio”, n. 228)

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1) Carta Circular aos amigos da Cruz, n. 18

 

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