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Se te condeno, não me culpes

Redação (Quinta-feira, 27-02-2020, Gaudium Press) Em um vitral da Catedral da cidade alemã de Lubeck, pode-se ler um inspirado poema, muito próprio a ser meditado durante o tempo da Quaresma. Diz assim:

Tu Me chamas
Mestre e não Me obedeces,
Luz e não Me vês,
Caminho e não Me segues,
Vida e não Me desejas,
Sábio e não Me escutas,
Amável e não Me amas,
Rico e não Me invocas,
Eterno e não Me buscas,
Justo e em Mim não confias,
Nobre e não Me serves,
Senhor e não Me adoras,
Se Eu te condenar, não Me culpes!

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Estas sentenças são vistas hoje como uma curiosidade pelos numerosos turistas e visitantes que circulam pela cidade medieval de Lubeck, declarada “Patrimônio da Humanidade” pela Unesco. A Catedral é a joia dessa área. Milhares de fotografias e de vídeos guardarão suas graves palavras em telas e arquivos de smartphones, tablets, e coisas do gênero.

Mas em tempos em que não existia a Unesco e quando o patrimônio mais apreciado dos cristãos era a Fé; antes, também, de que o veneno protestante chega-se a desfigurá-la no norte da Alemanha, as palavras deste vitral motivavam a meditação e a compunção aos que se detiam diante delas. Suas frases não ficavam registradas em sofisticados formatos tecnológicos, e sim em corações de carne. E os que as liam, não eram curiosos, turistas ou cristãos insensíveis, mas peregrinos, fiéis católicos praticantes. Podemos imaginar que, a poucos metros do tal vitral, houvesse um confessionário onde um ancião cônego, rosário em mãos, passava horas acolhendo e absolvendo com bondade aos penitentes ‘Ó tempora o mores’!

Detenhamo-nos na conclusão do poema, chocante para a mentalidade moderna relativista que, horrorizada, pontifica: “Deus não condena a ninguém!”… o que é um engano enorme, já que as pessoas que se condenam, é no exercício de sua liberdade e consciência, e depois de ter passado por um juízo, onde o Juiz será o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo que lhes dirá: “Apartai-vos de Mim, malditos e ide ao fogo eterno” (Mt. 25, 41). Então, “Se Eu te condeno, não me culpes!”…

As palavras do vitral não são uma oração que as pessoas fazem à Deus, mas uma queixa entristecida que Deus dirige às pessoas, advertindo-as.

Bem poderíamos aplicar esses atributos de Deus (Mestre, Luz, Caminho, Vida, etc.) à Eucaristia, especificamente, já que ela é o mesmo Deus. Então, diante do Santíssimo e olhando para a Hóstia, modifiquemos os versos e meditemos com estas ou palavras semelhantes:

Te chamo:

Mestre, que ensina com silêncio eloquente o que devo aprender;
Luz, todo espiritual, mistério de Fé, que ilumina os humildes;
Caminho, Santa Aliança, via segura que conduz ao céu;
Vida, Pão da Vida, que é uma promessa de ressurreição e imortalidade;
Sábio, de verdades eternas, opostas às quimeras mundanas;
Amável, quem mais do que Ele, que espera sempre e oferece dons?;
Rico, “Não se pode servir a dois senhores”, Eucaristia, único tesouro!;
Eterno, que prepara o fiel para o Reino, acompanhando-o no tempo;
Justo, desejoso de restituição, e ainda assim está aí tão sozinho e esquecido;
Nobre, de quem procede todo poder, honra e glória! E que tanto se esconde;
Senhor, Soberano onipotente, em aparências de simplicidade, pobreza e fragilidade.

Assim confesso tua presença real na qual criou, sim, mas… não me decido a fazer-te companhia, não acudo aos teus altares nem a tua mesa; não tenho tempo nem interesse…

A resposta de Jesus-Hóstia acaso poderá ser diferente? “Se te condeno…”

Na Catedral de Lubeck, como em todo templo católico, muitas coisas poderão chamar a atenção. Em geral, são coisas que estão, precisamente, para ser veículos que conduzam às verdades eternas. Será uma relíquia, uma imagem, algum detalhe original como esse vitral, ou mesmo a arquitetura em seu conjunto. Poderão dar-se ocasiões em que a igreja está cheia de gente durante uma celebração litúrgica, com música harmoniosa e perfume de incenso que invadem os espaços, provocando uma emoção sensível e elevando o fiel até Deus. Ou, então, quando o edifício sagrado está vazio e silencioso, somente para ele, o que também pode motivar uma forte e íntima experiência divina.

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Agora, repleto de pessoas ou sem ninguém, tenha valor estético ou não, trate-se de uma grandiosa catedral ou uma capela humilde, o templo guarda uma preciosidade infinitamente superior a tudo o que possa ser considerado digno de nota: o Santíssimo Sacramento, que não é “algo” mais, mas é “Alguém”.

Quando se transpõem o umbral da igreja e se penetra no recinto, saibamos que existe uma Presença misteriosa, real e divina, digna de toda reverência. Se não fosse essa Presença, as igrejas seriam como auditórios ou museus; e a liturgia, um rito vazio, um folclore sem muito sentido. Em todo caso, é triste constatar: essa Presença Divina não é valorizada e é até ignorada.

O infeliz que conhece o que ensina a Fé sobre a Eucaristia e passa diante dEla sem se importar, no dia do juízo poderá ter uma surpresa e levar um bom susto! Então, só ficará o recurso inútil de pretender justificar-se diante de Deus, que lhe dirá… o que se lê no vitral da Catedral de Lubeck.

Mairiporã, Brasil, março de 2020

Por Padre Rafael Ibarguren EP – Assistente Eclesiástico das Obras Eucarísticas da Igreja

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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