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Entrevista: “Para mim, unidade na fé é unidade no Corpo de Cristo”

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Dom Kurt Kock tem 60 anos e está na diocese da Basileia desde 1996

Roma (Quarta-feira, 14-07-2010, Gaudium Press) Nossa correspondente em Roma conversou recentemente com o novo presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Dom Kurt Koch, nomeado para o cargo pelo Papa no começo do mês. O bispo da Basileia, que desde 2002 já era conselheiro no dicastério, assumiu a função no lugar do cardeal Walter Kasper, que renunciou por motivos de idade.

Dom Kurt Koch nasceu no dia 15 de março de 1950, em Emmenbrücke, na Alemanha. Foi ordenado sacerdote em 20 de junho de 1982, e nomeado bispo em 21 de agosto de 1995, sendo ordenado em janeiro de 1996, sempre para a diocese da Basileia.  

Veja a seguir a íntegra da conversa:

Gaudium Press – Qual é a realidade pastoral da Igreja Católica na diocese de Basileia, na Suíça?

Na Suíça, as dioceses são seis. Há a diocese de Lugano, que abrange um distrito, depois a diocese de São Galo com três distritos, a diocese de Lausana, Genebra e Friburgo com quatro, a diocese de Coira, com sete, e a diocese de Basiléia, que abrange dez distritos. É a maior diocese, com um milhão de católicos. Não digo crentes (praticantes), porque não sei se são, mas são católicos. A dificuldade na Suíça é principalmente a relação entre Igreja e Estado e a função do distrito, não da Federação Helvética. Na diocese de Basileia há dez regulamentos diferentes entre a Igreja e o Estado. É um pouco difícil. A segunda coisa que traz problemas é a taxa para a Igreja. E isto somente em nível municipal. Em âmbito mais elevado não funciona muito bem, porque a Igreja na Suíça é rica na base.

GP – Sua Excelência escreveu uma tocante carta a seus fiéis. Como via seu serviço pastoral como bispo da diocese de Basileia? Desejava responder a todas as cartas recebidas dos seus diocesanos?

Ser católico na Suíça não é muito fácil, porque o sistema político da Suíça é uma democracia de base. Temos muitas votações sobre este tema, as eleições para os representantes políticos. Do outro lado temos a Igreja Católica com uma hierarquia. Estes dois mundos quando se tocam dão alguns problemas. Porque temos tensões, e alguns pensam que a Igreja Católica também tenha que ser uma democracia.

GP – Quais experiências serão úteis agora no novo cargo de presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos ?

Era um desejo do próprio Santo Padre que o sucessor do Cardeal Kasper fosse de novo um teólogo, um bispo que conhecesse as Igrejas e as Comunidades eclesiais nascidas da Reforma. Que não as conhecesse somente através dos livros, mas de experiências pessoais. Isto é para mim muito necessário e também interessante, porque as Igrejas Reformadas na Suíça são um caso especial ainda no mundo dos reformadores.

GP – Por quê?

Porque elas não têm uma Confissão de fé. Cada comunidade é livre de utilizar, de buscar a Confissão Apostólica (o Credo Apostólico/a Profissão de Fé) em um outro lugar. O diálogo ecumênico é muito difícil, porque as Igrejas da Reforma na Suíça são construídas de maneira similar ao Estado. A base da Igreja Reformada são as comunas, e depois temos a Kantolakirche, a Igreja distrital. Esta maneira de viver a Igreja influencia muito os católicos na Suíça.

GP – Como o senhor reagiu quando o Santo Padre lhe pediu para substituir o Cardeal Kasper?

Fiquei muito surpreso, porque é uma honra enorme para mim fazer isto. Por outro lado fiquei muito feliz, porque me interesso há muito tempo pelo diálogo ecumênico. Desde 2002 sou membro deste Conselho. Participei também da Comissão Internacional Teológica entre o Vaticano e as Igrejas ortodoxas. E também na Comissão Internacional com os Luteranos. Nós somos responsáveis por todos os diálogos e também pelas relações religiosas com o Judaismo. Para mim é um grande desafio. Um desafio que desejo sempre com todas as forças, com uma qualidade também para mim no coração.

GP – O card. Kasper, na sua última coletiva para a imprensa como presidente, ressaltou que o diálogo com as Igrejas e as Comunidades Protestantes tem perdido “seu entusiasmo”. Também o diálogo com a Igreja ortodoxa em certos pontos não é fácil. Em sua opinião, quais são as primeiras exigências?

Nos 40 anos do ecumenismo depois do Concílio Vaticano II os nossos parceiros mudaram muito. Por exemplo, nas Igrejas Reformadas não temos mais este desejo de unidade como havia no período antes e depois do Concílio. Eu obesrvo algumas tensões para o retorno a uma teologia liberal, não a uma teologia dogmática. É um grande desafio que não se satisfaz com a realidade de hoje. De muitos reformadores eu tenho a impressão que querem a contínua aceitação das Igrejas e a concelebração eucarística. Depois disto teremos já o fim do ecumenismo. Para mim não é assim. Porque a Igreja que nós confessamos na Confissão Apostólica: “una, santa, católica e apostólica”, não é a soma de todas as Igrejas que temos no mundo. Sobre este ponto de vista, a unidade da Igreja é uma obra do homem para construir a soma de todas as Igrejas. Para mim, unidade na fé é unidade no organismo do Corpo de Cristo. Porque quero um pouco mais no ecumenismo que alguns representantes das Igrejas Reformadas. Porque é muito necessário aprofundar também a espiritualidade do ecumenismo. Porque Jesus disse que todos devem ser unidos para que “o mundo possa crer”. E isto quer dizer que a realidade na unidade das Igrejas deve ser visível, e uma realidade invisível.

E a segunda coisa é que nesses 40 anos surgiram novas diferenças. No início do diálogo tivemos diversas diferenças na fé, nas confissões da fé. Hoje temos novas diferenças, principalmente em nível ético. Todas as perguntas da bioética, também o fenomeno da homossexualidade. Há um grande desafio em todo o ecumenismo. Vê-se o contexto dos anglicanos que estão próximos a uma divisão sobre isto.

GP – Então o que divide mais no diálogo ecumênico é a ética e não a teologia dogmática?

Sim.

GP – O senhor foi convidado a apresentar dois discursos no “Schülerkreis” (círculo de estudantes do Papa) na presença do Santo Padre.

Estou muito surpreso com este convite. Porque tenho um pouco a sensação de que tenho de tocar piano na frente de Mozart. É como ser um estudante de piano diante de Mozart. Mas é também um grande desafio que enfrento com muito prazer por estar a contato com esta atmosfera dos discípulos de Ratzinger. Sei que o Papa é muito aberto a discutir estas coisas. É um grande desafio porque o tempo de hoje está muito em conflito entre duas interpretações do Concílio Vaticano II. Uma interpretação diz que a tradição acabou com o Concílio e que com este Concílio chegou uma nova era. Não é mais ligado ao passado, à tradição. A minha visão é que o Concílio é um grande evento no rio da tradição que vive. E porque o Concílio Vaticano é aberto no futuro e no passado. Penso que seja essa também a visão dos Pais do Concílio. Hoje, temos um pouco de instrumentalização do Vaticanum II pelos próprios pensamentos de alguns teólogos. E não são sinceros ao apresentar o Concílio. Penso ainda que muita gente fala do Concílio e quer que o Papa retorne com ele, mas as pessoas não o conhecem. Principalmente a grande constituição sobre a Igreja “Lumen gentium” com os oito capítulos. As pessoas conhecem somente o tema do segundo capítulo : “A Igreja e o povo de Deus”. Mas o segundo capítulo não pode ser entendido sem o primeiro capítulo sobre o mistério da Igreja. Para mim, principalmente o quinto capítulo, sobre a vocação à santidade, é o tema fundamental desta Constituição.

GP – Estas duas visões influenciam também o comportamento na liturgia. Como deve se entender a liturgia hoje?

Tudo o que as pessoas dizem de novo depois do Concílio Vaticano II não era tema da Constituição sobre a Liturgia. Por exemplo, celebrar a eucaristia de frente aos fiéis nunca foi o tema da tradição. A tradição sempre foi celebrar em direção ao leste, porque esta é a vista da ressurreição. Na Basílica de São Pedro, se celebrava há tempos de frente para as pessoas, porque aquela direção era a direção voltada para o leste. A segunda coisa é a língua vernacular. O Concílio quis que o latim permanecesse como a língua da liturgia.

Mas todas as coisas muito profundas, fundamentais da Constituição litúrgica, não são ainda conhecidas por muitos. Por exemplo, toda a liturgia e a liturgia da Páscoa. A Páscoa do mistério, da morte e da ressurreição de Jesus Cristo. Não se pode celebrar a Páscoa sem sacrifício, e este é o tema que se coloca na teologia. Porque também a Constituição sobre a revelação não é ainda acolhida na Igreja. Temos ainda muito a fazer para apropriar o Concílio.

Anna Artymiak

 

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