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Deus é feliz. Como faço para ser como Ele?

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Felicidade… Não há ser humano que não a procure. Ela é a meta principal dos homens. Desde os primeiros lampejos da razão, a todo momento, tal anseio move todos os nossos desejos e operações. A procura da felicidade está enraizada no próprio ser do homem, pois esta aspiração não se extirpa de nossa alma, nem mesmo com a morte. O que é propriamente ser feliz? Quantos o lograram? Onde encontrar a felicidade? Quando a encontramos, será verdadeira? Será perene ou simplesmente transitória?

As respostas a essas perguntas estão contidas na doutrina da Igreja a respeito da felicidade divina. Felicidade infinita da qual somos chamados a participar. Esta felicidade verdadeira e suprema não é passageira, nem falsa, nem oculta; ao contrário, é mais acessível do que se pensa. Da felicidade absoluta, eterna e perfeita goza o próprio Criador: “Deus é feliz” (1Tm 6,15). Nem os montes, nem as profundezas, nem qualquer vastidão podem ser usadas como termo de comparação à felicidade infinita do Criador.

Para entendermos algo desta Beatitude Divina, é necessário, antes, definir com clareza em que consiste a verdadeira felicidade humana. Entendendo nossa própria aspiração, compreender-se-á a beatitude divina.

O que significa ser feliz?

A felicidade é nossa aspiração constante, mola de todas as nossas ações e objetivo último de todos os nossos planos[1]. No entanto, para a obtenção desse fim, as opiniões dos homens divergem. Onde se encontra, pois, a felicidade?

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Já na Grécia antiga, alguns diziam estar a felicidade na prática da virtude (estóicos), outros, no prazer dos sentidos (epicuristas), outros ainda, na sabedoria, como Sócrates, Platão e Aristóteles. Todavia, para a Igreja, a felicidade está, no dizer de Boécio, “em um estado perfeito onde se assomam todos os bens”[2]. Santo Agostinho se refere a um tipo de felicidade superior, mais espiritual e que não se resume à felicidade dos prazeres terrenos. O Bispo de Hipona, na obra De Beata Vita, escrita no século V, defende que a felicidade está no conhecimento da verdade.

São Tomás distingue várias formas de ser feliz. Existe a felicidade dos prazeres terrenos, alguns lícitos, como comer um alimento saboroso ou ouvir uma boa música; outros que, embora deem ao homem gozo real, ofendem a Deus e a natureza, como o pecado da gula, da bebedeira e da impureza; existe a felicidade do mando e da riqueza, que, em última análise, mais do que mera sede de prazeres, funda-se no vício do orgulho e consiste no desejo de poder e glória.

Por outro lado, há também a felicidade da admiração e da contemplação. Degustamos dela ao considerar um belo e grandioso panorama, ou ao nos entretermos com o encanto de um animalzinho, ou, ainda, ao meditar em realidades superiores à vida cotidiana.

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No entanto, essas variegadas formas de felicidade, das quais certamente todos nós já gozamos em certos momentos, em maior ou menor grau, são meramente naturais. Não preenchem a lacuna que sentimos em nosso interior, que nos leva a almejar uma felicidade superior a nossos próprios limites. Esta sede de felicidade, por assim dizer, infinita, pela qual nosso coração palpita em desejos de maneira ininterrupta, consiste em almejar a participação da felicidade da qual o próprio Deus goza. Isto é propriamente ser beato ou bem-aventurado, na linguagem bíblico-teológica: participar da felicidade (ou seja, da beatitude) divina.

A Felicidade de Deus

São Tomás ensina que tudo que é desejável em qualquer bem-aventurança, seja verdadeira ou até mesmo falsa, preexiste total e eminentemente na bem-aventurança divina. Portanto, todo gozo, sabor, maravilha, poder, glória e riqueza possíveis ao homem estão contidos na felicidade de Deus[3].

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São Tomás de Aquino
 

Da felicidade terrestre, que, no dizer de Boécio, consiste nos prazeres, riquezas, poder, dignidade, glória[4], o Criador goza a alegria de Si mesmo, de seu próprio ser eminentemente perfeito, sublime e infinito; como riqueza, a perfeita suficiência que elas prometem; como poder, a onipotência; como dignidade, o governo universal da criação; como fama, a admiração de toda criatura[5]. Da felicidade contemplativa – que é a mais elevada e perene de todas as felicidades – Deus tem a perpétua e certíssima contemplação de si mesmo, como de todas as demais criaturas visíveis e invisíveis. Por esta razão, do ponto de vista ontológico, Deus goza de uma felicidade incomensurável.

Em Deus há ainda felicidade superior. Como vimos, São Tomás define a felicidade como “o bem perfeito dos seres intelectuais”[6]. De fato, a felicidade da alma supera a felicidade do corpo. O que seriam todos os deleites terrenos sem a alegria do espírito? Esta definição de felicidade é a mais aplicável à felicidade Divina. Deus possui todo bem, perfeição e conhecimento, portanto a Ele convém a máxima felicidade. Por isso, ensina Santo Agostinho: “Bem aventurado aquele que te conhece, ainda que ignore tudo o mais”[7]. A felicidade de Deus reside em, conhecendo a si mesmo, deleitar-se e amar-se a si mesmo de modo perfeito.

“Deus não necessita dos nossos louvores”[8]. Tal é a felicidade divina que Ele nem mesmo precisa das glórias que podemos lhe atribuir. A glória de seu Ser infinito é o seu máximo louvor. Deus é feliz em si mesmo pelo simples fato de ser e existir.

Deus é a felicidade

Narra o Evangelho que, tendo Jesus deixado a Judeia, voltou à Galileia. Ao passar pela Samaria, região desprezada pelos judeus, dirigiu-se a uma localidade chamada Sicar, junto às terras que Jacó, mais de 1500 anos antes, havia dado a seu filho José.

Naquele evocativo local havia o conhecido poço de Jacó. Os ardores do meio-dia agravavam em Jesus as fadigas da viagem, e por isso sentou-se Ele à beira da cisterna. Como os discípulos foram à cidade para comprar mantimentos, Jesus pediu a uma mulher samaritana que tirava água: “Dá-me de beber” (Jo 4,7).

Não sem perplexidade aquela samaritana considerou um judeu a falar consigo, a respeito de uma misteriosa água: “Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: ‘Dá-me de beber’, certamente lhe pedirias tu mesma, e ele te daria uma água viva”.

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Santo Agostinho
 

Diante da explicação de Jesus a respeito deste líquido que brota de uma fonte eterna, da qual todo aquele que beber jamais terá sede, a samaritana não teve outra ideia senão suplicar: “Senhor, dá-me desta água, para eu já não ter sede nem vir aqui tirá-la!” (Jo 4,15).

A água viva e inextinguível de felicidade humana, para a qual todo homem acorre, está em seu último fim, Deus, por meio de Jesus Cristo. A alma humana quer esta água viva e eterna dada pelo Divino Mestre, fonte inextinguível de felicidade. Deus é a finalidade de todo o Universo e o homem só será feliz quando atingir esta finalidade. Diz Santo Agostinho que “buscar a Deus é ânsia ou amor da felicidade, e sua possessão, a felicidade mesma”[9]. Nesta bem-aventurança encontramos a essência da felicidade: alegria de ser, viver e existir com Deus e para Deus.

Participar desta felicidade divina nos faz generosos e alegres[10]. Daí se originam novas forças para adquirir ainda maiores parcelas de verdadeira felicidade, mediante a prática de atos e virtudes moralmente boas. E, com isso, assemelhar-se mais ao Criador[11].

Por Marcos Eduardo Melo dos Santos

[1] Cf. MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus, 1997.

[2] Status omnium bonorum aggregatione perfectus. Boécio. De Consolatione Philosophiae, 3, 2.

[3] Cf. São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I-II, q. 26, a. 4.

[4] Cf. Boécio. De Consolatione Philosophiae.3,2. ML : 63, 726 A.

[5] São Tomás de Aquino. Suma Teológica I, q. 26, a. 4.

[6] São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, q. 26, a.1.

[7] Santo Agostinho. Confessiones. 5,4: ML 32,708.

[8] São Gregório Magno. Moralia32,6,7: ML 76,639 D.

[9] Santo Agostinho., 1,11,18.

[10] São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, q. 26, a. 4.

[11] Cf. LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino, hoje. Curitiba: Champagnat, 1993, p. 41.

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