Gaudium news > A arte de tornar possível o impossível

A arte de tornar possível o impossível

Redação – (Sexta-feira, 13-02-2015, Gaudium Press) – Frequentemente nos deparamos, ao longo da vida, com a necessidade de resolver problemas complicados e imprevistos. E o meio de fazê-lo costuma ser personalíssimo, como é também, muitas vezes, a situação a enfrentar.

As bodas de Caná.jpg
Quiçá poderia a Santíssima Virgem ser
invocada como Padroeira do
Jeitinho Brasileiro

“As bodas de Caná” – Paróquia de Saint
Patrick, Roxbury (Estados Unidos)

É quase infinita a variedade de soluções que cada indivíduo encontra para tais problemas, mas poderíamos classificá-las em função dos temperamentos nacionais. Assim, certos povos orientais, como os chineses e japoneses, terão um modo próprio de resolvê-los, geralmente de forma paciente e silenciosa. Um etíope ou um egípcio recorrerão a meios mais teatrais para atingir seu objetivo. E assim por diante, poderíamos mencionar saídas à la francesa, inglesa, italiana, portuguesa ou espanhola.

No Brasil, as situações difíceis solucionam-se “dando um jeito”, ou melhor, “um jeitinho”. O uso do diminutivo tem aqui sua importância, pois reflete a impostação afetuosa com que a pessoa põe em prática a solução.

Em que consiste o jeitinho?

Mas em que consiste exatamente o jeitinho? O jornal francês Le Monde aventurou-se a dar-lhe esta definição: “Uma hábil solução, frequentemente de última hora, que não acalma forçosamente os nervos, mas torna retrospectivamente sem motivo a angústia dos neófitos”.1

Breve e precisa como costumam ser as formulações francesas, esta definição reflete, entretanto, apenas uma parte da realidade. Ela analisa o jeitinho sob o prisma de alguém capaz de perceber seus efeitos, não, porém, sua essência. Descreve-o como uma solução hábil que resolve de modo profundo o problema, a ponto de tornar inexplicável, a posteriori, a angústia sentida enquanto ele existia.
O jeitinho de tal forma faz parte da personalidade brasileira que as escolas empresariais internacionais o tomam em consideração em seus cursos. Isto não significa, entretanto, que consigam defini-lo com precisão.

Para os alemães – que tratam de traduzir esse substantivo pela expressão einkleiner Dreh (pequeno giro) -, o conceito mostra-se desconcertante. É muito conhecida a preferência dos povos nórdicos pela coisa planejada, previsível e bem regulada. Não descartam a intuição e as soluções improvisadas, mas procuram evitá-las ao máximo. Sem dúvida, a alma alemã prefere prever os imprevistos.

Os anglo-saxões o equiparam a um little trick (pequeno truque) ou um clever dodge (drible inteligente), demonstrando que também para eles é difícil entendê-lo.

Há quem tenha querido atribuir-lhe um significado equivalente ao da ventajita argentina ou do chanchullo espanhol. Um guia para investidores italianos o compara com a soluzione alla napoletana,2 advertindo que “nem sempre funciona com os estrangeiros”. Entretanto, até a sonoridade das diversas expressões realça como é longínquo o parentesco entre estes conceitos.

Em que consiste, então, o verdadeiro jeitinho? Quais são seus elementos constitutivos?

Elementos constitutivos do jeitinho

Uma primeira característica é a intuição, entendida como uma forma rápida de raciocínio que permite analisar num instante situações muito complexas.

Por outra parte, o verdadeiro jeitinho tem sempre um caráter conciliador. Devido à sua herança portuguesa, enriquecida por algumas notas indígenas e africanas, o brasileiro é uma pessoa cordial, e essa sua forma de ser dá o peculiar e inigualável tônus ao jeitinho que alguns qualificam de brasileiro, o que – diga-se de passagem – constitui uma redundância.

Nele encontramos também uma extraordinária flexibilidade e capacidade de improvisação que, unidas a uma grande inteligência natural, permitem contornar as normas sem transgredi-las, quando sua vigência claudica diante do fato imprevisível. Chega então o momento do jeitinho, que torna possível o impossível.

O jeitinho, em suma, é imaginativo, inteligente e pacífico. Jamais assume ares autoritários ou arrogantes, e – como a cereja sobre o chantilly – deve concluir-se preferencialmente com um sorriso.

Um exemplo paradigmático

A afabilidade do brasileiro leva-o a ter especial devoção pelos aspectos compassivos de Nosso Senhor, e é isto que faz deste povo um exemplo de bondade, e de uma bondade conciliadora.

Alguns sociólogos definem o brasileiro como “cordial”, e esta é, sem dúvida, uma de suas principais características. Este adjetivo, inclusive do ponto de vista etimológico, aponta mais para a emoção que para a razão; mas esta emoção, uma vez batizada, transforma-se em bondade. Por ação da graça, a mera inclinação natural passa a ser uma virtude cristã.

Assim, a quintessência do jeitinho, depurado de qualquer acepção que não seja a mais elevada, pode ser ilustrada com um fato histórico acontecido 1.500 anos antes de Pedro Álvares Cabral desembarcar no litoral da Bahia. Ocorreu na Palestina e teve por protagonista a Virgem Maria. Com efeito, ao obter de seu Divino Filho a transformação da água em vinho, nas Bodas de Caná, Nossa Senhora deu um jeitinho sublime ao qual não faltam os elementos constitutivos aqui enunciados.

Sem infringir lei alguma, Ela conciliou duas situações aparentemente insolúveis: o constrangimento do anfitrião pela falta de vinho e a inoportunidade do momento para Jesus fazer um milagre: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4).

A intuição A fez compreender num ápice a desagradável situação em que logo se encontrariam os nubentes, vendo acabar-se o vinho em plena festa. Sua bondade – sua sublime cordialidade, poderíamos dizer – levou-A a compadecer-Se deles pela aflição que sentiriam quando isso ocorresse; e encontrou uma forma de “transgredir” os desígnios divinos, apelando para sua maternidade. Compelido, por assim dizer, pelo pedido de sua Mãe Amantíssima, Jesus antecipou o momento de seu primeiro milagre público, dando lugar a uma das mais famosas e magníficas passagens do Evangelho.

Considerado sob esta perspectiva, o jeitinho é muito mais do que uma invejável habilidade do espírito. Trata-se de um estilo de praticar a virtude da bondade na vida cotidiana, de uma forma raramente encontrada nos manuais de piedade e nas histórias dos santos.

Quiçá, poderia a Santíssima Virgem, que nos deu um tão sublime exemplo de jeitinho, ser invocada como Padroeira do Jeitinho Brasileiro. E quem sabe se a Providência não teria dado a essa grande nação a vocação de representar a bondade de Nossa Senhora de forma tão eminente que, para defini-la por inteiro, precisaria paradoxalmente usar um diminutivo: o jeitinho?

Por Pe. Antônio Jakoš Ilija, EP
(in “Revista Arautos do Evangelho”, Março/2013, n. 135, p. 34-35)

……………………………………..

1 DENIS, Hautin Guiraut. La conference de Rio sur l’environnement. Un retour au passé… In: Le Monde. Paris: 3 jun. 1992.
2 CAPORASO, Giovanni.
Guida per investire in Brasile
– 2007. Panama city: Expats
E-books, 2006, p.88.

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas