Gaudium news > A misericórdia convive com a justiça

A misericórdia convive com a justiça

Redação (Quarta-feira, 15-04-2015, Gaudium Press) – Pode ser Deus ao mesmo tempo bom e severo? Como entender que Ele seja justiceiro e misericordioso simultaneamente? É natural que dúvidas como estas pululem no espírito humano. Quando se anda mata adentro, é possível contemplar belos jogos de sombras e luzes a se projetarem no chão rústico. Ainda que o Sol esteja a pique, a floresta permanece em penumbra e a força do Astro Rei só se faz notar nos caprichosos desenhos formados pelos raios que conseguem abrir caminho na densa folhagem.

A misericórdia convive com a justiça2.jpg

Assim são também certos aspectos das nossas vidas. Ora ficam iluminadas por raios brilhantes da graça sensível, oratranscorrem numa escuridão quase completa. E quem desconhece a existência de uma densa “ramagem”, que tantas vezes oculta a luz sobrenatural a quem mora na Terra, jamais poderá alcançar o sentido desta alternância entre luzes e sombras.

Deus nada faz de inútil ou contraditório. Sua mão tudo rege de forma perfeita, inerrante, transbordante de simbolismos e riquíssima em reversibilidades. Tentemos, pois, de nosso humilde mirante terreno, atravessar as densas copas das árvores e contemplar dois atributos do Criador, à primeira vista contraditórios: a Misericórdia e a Justiça.

O segredo da boa educação

Pode ser Deus justiceiro e misericordioso simultaneamente? Como entender que seja Ele ao mesmo tempo bom e severo? É natural que dúvidas como estas pululem no espírito humano, porque sabemos ser impossível que, por exemplo, alguém possua um temperamento ao mesmo tempo extrovertido e tímido; ou que conjugue agilidade com lentidão. A realidade que vemos leva-nos a aplicar a Deus as regras que regem a natureza humana, tirando conclusões errôneas. Mas uma circunstância, também humana, nos esclarecerá a este respeito.

Imaginemos um excelente pai que ama seu filho com um amor muito grande. Como deverá agir para educá-lo? Acaso será impondo-lhe um severo castigo a cada travessura cometida? Ou, talvez, cobrindo-o de carícias, até quando ele pratique uma ação reprovável? Ou será, ainda, usando de bondade sempre que possível, e de severidade no momento oportuno? A resposta é evidente, pois, quanto mais o pai souber equilibrar de forma sapiencial estes dois elementos, mais amado e respeitado será pelo filho.

Com efeito, o segredo da boa educação e do relacionamento equilibrado da família é, exatamente, a justaposição da bondade com a severidade nas devidas situações. Ora, se esta união entre justiça e misericórdia se dá de forma tão corriqueira dentro da vida familiar, bem pode ela ser o reflexo de uma harmonia mais excelsa, ou seja, aquela existente em Deus, que Se utiliza de tais atributos para melhor educar o homem.

A misericórdia é a plenitude da justiça

Em nosso tempo, é muitíssimo divulgada esta ideia: Deus é bom e, portanto, pode-se fazer o que se quer, pois Ele é misericordioso e perdoa…

Não há dúvida quanto a ser Deus a Misericórdia em substância e ao fato de estar Ele disposto a nos perdoar a cada instante. Contudo, será que isto impede o Senhor de “chacoalhar” com mão forte o homem, para fazê-lo entender melhor a ternura com que Ele acolhe os corações que O amam com sinceridade? Não será este, às vezes, o melhor meio para despertar de sua mortífera letargia aqueles que dormem comodamente à beira do abismo do pecado e da morte eterna?A misericórdia convive com a justiça.jpg

Dissipando toda insegurança que possamos ter acerca do tema, o Doutor Angélico explica: “a obra da justiça divina pressupõe sempre uma obra da misericórdia e se funda sobre ela”,1 pois a misericórdia não é senão a raiz de todo obrar divino. E, bem longe de se opor à justiça, a misericórdia é a sua plenitude, uma vez que a justiça se limita a dar o que se deve a quem merece, mas a misericórdia dá muito mais do que se merece, ultrapassando toda proporção exigida.

“Na verdade, a justiça e a misericórdia não só não são contrárias entre si, como se harmonizam […] maravilhosamente em Deus”.3 Em outros termos, em Deus se conciliam a misericórdia e a justiça em seu íntimo.4

A justiça de Deus no Antigo Testamento

É o que podemos constatar, ao analisarmos alguns episódios descritos no Antigo Testamento, em que o personagem merecia ser exterminado e, por causa de uma ação boa um pouco mais relevante que tivesse feito, o Altíssimo Se compadece dele e lhe atenua a pena.

Um caso surpreendente é o do rei Acab, que procedeu repetidas vezes de modo péssimo durante o seu reinado, cometendo crimes e abominações inomináveis. No entanto, quando foi ameaçado por Deus, se humilhou, provocando a compaixão do Senhor, que lhe mitigou a punição (cf. I Rs 21, 21?29).

Esta e tantas outras passagens ressaltam que, desde o início da criação, o fogo da misericórdia divina esteve ardente, e ao Senhor aprouve, já naquela época, fazer sentir seu benfazejo calor através de pequenas faíscas, pois tal chama seria, mais tarde, acesa pelo próprio Deus humanado.

Se no Antigo Testamento Deus Se mostrava bem severo com as desobediências, não é menos verdadeiro que a bondade também regia seu proceder. Enquanto uma mão açoitava, a outra animava à mudança de vida e à boa disposição para receber o Salvador, que Ele nunca deixou de prometer, apesar de todas as infidelidades do povo.

O auge da misericórdia divina

Quanto amor pelos homens tem Aquele que não precisa dos homens para ser glorificado, mas desejou, por pura misericórdia, levá-los à participação da sua própria vida divina, fazendo-os co-herdeiros com seu Filho (cf. Rm 8, 17)!

Conhecendo Ele a fraqueza da natureza humana, deu-lhe os meios pelos quais nós tivéssemos a certeza de estar no reto caminho: o auxílio maternal de Maria Santíssima e a morada onde A encontramos junto a seu Divino Filho, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Podia Deus fazer mais do que fez pelos homens?

“Nosso entendimento fica abismado quando olha para a misericórdia”. 5 Quase diríamos que Ele esgotou seu poder, ao dispensar aos homens tantas provas de misericórdia: o mistério de sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição, tantos sinais de ternura através dos Sacramentos, tantas mostras de querer-nos junto a Si no Céu, oferecendo-nos a intercessão da Virgem Santíssima e os braços da Santa Mãe Igreja.

Por Ir. Mariana de Oliveira, EP

( in “Revista Arautos do Evangelho”, Abril/2015, n.160, p. 36-37)

Deixe seu comentário

Notícias Relacionadas