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O magnífico prazer de uma boa conversa

Redação (Sexta-feira, 24-04-2015, Gaudium Press) Sentencia o experiente diretor do hospital Andréi Yefímich -na trama do conto ‘El Pabellón No. 6′ de Antón Chéjov- que “neste mundo tudo é insignificante e desinteressante, salvo a suprema expressão espiritual da inteligência humana”. E continua declarando -depois de queixar-se com amargura da O magnífico prazer de uma boa conversa 1.jpgfalta dessa inteligência ao seu redor- que se bem “é certo que estão os livros”, de nenhuma maneira são os livros “o mesmo que uma boa conversa ou o trato com a gente. Se me permite fazer uma comparação não muito lograda, os livros são as notas e a conversação o canto”. 1

É claro que ali Chéjov não quis incluir os infinitamente mais altos prazeres que podemos ter nesta vida fruto do contato com o sobrenatural, simplesmente porque assim não o desejou ou simplesmente porque talvez não os conheceu. Mas se concordamos com o reputado literato, que era também médico, em que realmente uma boa conversa é algo incompatível, enquanto a delícia humana se refere. Entretanto, falamos de uma boa conversa, a qual só se dá entre bons conversadores.

“É muito triste, querido Mijaíl Averiánich que em nossa cidade não haja absolutamente ninguém que saiba e ao que lhe goste manter uma conversa profunda e interessante. Em nosso caso representa uma enorme privação. Já nem os intelectuais superam o vulgar; o nível de seu desenvolvimento, se o assegurou, não é superior a mais baixa condição (…) Às vezes sonho com pessoas e conversas inteligentes”, insiste e almeja o finalmente decepcionado e ensimesmado doutor Yefímich.

Com a obra de Chéjov nos encontramos nas últimas décadas do século XIX, tempos aqueles nos quais todavia havia certa preocupação por enriquecer a mente e educar o coração; época ida na que ainda a apetitosa leitura em comum do dia era realizada em muitas famílias; anos nos quais ainda se reuniam as damas no costureiro, não a contaminar-se mutuamente com a superficial e não benigna ‘fofoca’ habitual, mas na escuta atenta da leitura de um bom clássico ou revestidas sob os doces acordes de um elevado intercâmbio de ideias, enquanto iam surgindo belos bordados e delicados tecidos; tempos nos quais as mesas do refeitório do lar eram não só lugar de reparação de forças físicas, mas igualmente fontes de variadas riquezas de espírito e escolas de educação continuada, campos não só de acréscimo de conhecimentos intelectuais, mas também de ensinamento de maneiras e formas sociais, entre elas a arte de agradar e a arte de conversar. Não obstante, temos por certo que as palavras do médico Andréi Yefímich de Chèjov não faziam senão expressar o vivo e profundo lamento do próprio literato russo, lamento que hoje poderíamos repetir com muito mais fundamento e com muito mais ardor, com muito mais dor.

O que é um bom conversador?

É primeiro alguém contemplativo, um bom observador da realidade da vida e especialmente das pessoas, alguém que se enriquece daquilo que habita o exterior e ao qual dedica boa parte de uma atenção razoável. Alguém que verdadeiramente se interessa pelos demais, pelos seus problemas, seus desejos, suas angústias, suas alegrias, pelo que pensam e dizem. Se não há esta base não pode haver conversa; no máximo um monólogo, ou um diálogo de surdos (monólogo de dois, ou de três…), onde cada um expressa o que quer sem ter em conta ao outro.

Um agradável conversador, Perogrullo diria que é alguém que tem o que falar, o que conversar. Isto não quer dizer que um ameno colóquio só possa dar-se entre eruditos (os eruditos às vezes não sabem conversar…), mas se requer que a pessoa tenha construído para si mesma e para o uso comum um conjunto mais ou menos coerente e rico de princípios, ideias e conhecimentos, e que este conjunto seja algo pessoal, pois um mero repetidor de dados que não fez próprios não pode sustentar uma conversa fluída e natural. Se pertence a este último tipo de pessoas, se teria a sensação de se estar conversando com alguém que está lendo um livro em voz alta. Certa originalidade é parte essencial de uma boa conversa.

Não necessariamente alguém que em suas leituras tenha recolhido sugestivos ou chamativos é um bom conversador, pois para compartilhar um momento agradável com alguém, não só é preciso dizer coisas mais ou menos interessantes e colocar atenção ao que de interessante o outro expressa, mas também há que se ter em consideração os mil pequenos e importantes significados que se transmitem pela linguagem não verbal. Há teóricos (não sabemos como o mediram, mas é algo que se repete com frequência entre certos teóricos) que afirmam que 60% da mensagem em uma comunicação pessoa-pessoa é não verbal, é gestual. Não obstante, bem é certo que a fogueira da boa conversa não se alimenta da lenha das banalidades e que boas leituras “processadas” e assimiladas pelo próprio espírito, oferecem valiosas considerações que podem ser expostas em agradáveis intercâmbios.

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Deus conversa com Moisés

É claro que também se necessitam elementos comuns

entre aqueles que conversam, ‘partículas’ que sirvam de pontes de união, pois se -por exemplo- alguém sozinho se interessa por astrofísica e outro somente pela música, então não existirá esse terreno comum no qual se podem conectar os interlocutores. Essas pontes podem ser simplesmente o interesse de alguém pelos gostos ou apetências do outro. Entretanto, como a boa conversa requer reciprocidade, cada um dos diferentes integrantes da conversa devem buscar esses pontos de interesse compartilhado com o outro, a partir dos quais se chegue ao ser do outro. Sem reciprocidade não há conversa.

A boa conversa é alimentada sobretudo pela caridade, e excelentemente pela caridade cristã. Aquela que nos permite ver na outra pessoa um semelhante, também feito a imagem e semelhança de Deus, alguém portanto que leva a marca de Deus, o que constitui seu ‘segredo’ e seu constitutivo mais interessante, o mais interessante a descobrir por meio de uma conversa. Alguém que pertence a nossa mesma família humana e a quem devemos fazer o bem com nossas palavras e gestos, como o faríamos a um irmão de sangue. Quando isso existe em duas almas ou três, a conversa “morde”, encanta.

Ninguém pensaria cobrir um bom chocolate com fel, mas talvez com uma fina, sutil e delicada capa de mel. Da mesma maneira, não só será nossa mensagem, mas a forma como a revestimos, a qual poderá produzir no outro o gosto e o desejo de iniciar e manter uma boa conversa. Uma vez mais, é o desejo de dar o melhor de si ao outro, por pura generosidade, fino fruto da caridade cristã.

Por Saúl Castiblanco

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

1 Anton Chéjov, Cuentos imprescindibles – El Pabellón No. 6. Random House Mondadori. 2012

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