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Ultrapassando os umbrais do prazer meramente sensível, rumo a Deus

Redação (Segunda-feira, 25-05-2015, Gaudium Press) Como é importante aquilo que a pessoa deixa entrar em seu interior, especificamente essas ideias que se introduzem e instalam na cabeça. Elas definem em boa medida a vida emocional do sujeito, pois existe um indissolúvel matrimônio entre aquilo que a gente pensa e em como se sente. E isto repercute por sua vez diretamente em sua conduta.

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Por exemplo, se fazemos memória, é provável que sejam várias as ocasiões em que temos contemplado pessoas de assinaladas carências econômicas exibir um radiante sorriso ao receber um simples presente, uma modesta lembrança. Para eles, essa despretensiosa garrafa de vinho que apareceu um dia por arte de magia na mesa era algo bem inesperado, não cabia em seu panorama mental, e sua chegada trouxe uma brilhante alegria. Quantas vezes temos visto pessoas que ‘tem tudo’ e às quais a mínima contrariedade -o não alcançar uma pequena parcela de suas elevadas expectativas- as submerge na amargura, que pode ser profunda ou muito ampla, que faz que seu espírito não difunda alegria e paz mas escuridão e inquietude. Nestes casos, como em muitos, constatamos que o estado de felicidade ou o de tristeza, depende mais das condições reais de vida de uma ou outra pessoa, dos esquemas mentais-emocionais presentes em cada um.

Esquemas mentais que muitas vezes não são conscientes, não são explícitos, mas que estão ali, incubados, sem que a pessoa os perceba como estáveis ou como viventes. Mas esquemas desses que tornam o panorama cinza, de passagem exalam o cinza para as pessoas que nos rodeiam.

É mal ter grandes expectativas? De nenhuma maneira, entre outras razões porque dessa grande expectativa, sinônimo de grande ânsia, nenhum ser humano se salva, pois todos temos uma sede de infinito posta em nós pelo mesmo Criador. “Nos fizeste Senhor, para ti, e nosso coração está inquieto até que descanse em Ti”, proclamava para sempre, com sabedoria e beleza Santo Agostinho.

Por isso é importante redescobrir a presença de Deus também nas múltiplas maravilhas grandes e pequenas que nos rodeiam, ou que nos chegam. Às vezes damos por certo que essas maravilhas nos são devidas porque sim, são ‘normais’, perdendo com isso o encanto que elas podem oferecer-nos, e de passagem sendo assim ingratos com o Criador de todas as simples e complexas maravilhas.

Por exemplo, a vida: essa grande maravilha que faz com que certos seres tenham movimento próprio. Imaginemos um mundo excelente, de ruas de cristal ou de porcelana, de palácios cujos muros sejam de jade, de alabastro e das mais espetaculares pedras preciosas e semi-preciosas. De castelos com cúpulas de mármore e granito polidos, de janelas de vitrais magníficos, com móveis de marfim, e das melhores madeiras, aromatizadas. Cidades onde tudo foi grande ou pequenos palácios, de igrejas de sonho de um trans-gótico ainda não inventado, mas… sem vida. Essas cidades não seriam mais que belos cemitérios, ou inclusive pior, pois nos cemitérios há aves, voam às vezes entretidos insetos. E um cemitério por mais lindo que seja, em si não é algo inteiramente belo, pois sempre se perceberá a carência que é conexa à morte… A vida, pois, essa maravilha, que às vezes esquecemos que é uma maravilha.

Seguimos insistindo, em algo já expresso em artigos anteriores: a contemplação do universo é uma porta de entrada ao contato com Deus; e se algo fecha essa porta é a agitação irracional própria à vida do homem moderno; uma agitação impulsionada pelo egoísmo, pelo orgulho, ou pelo desejo irrefreável de físicos prazeres.

Entendemos também que a contemplação é entediante para aquele cujo espírito já está inchado ou entorpecido pela passividade que gera o estilo corre-corre da vida moderna. Espírito duro, rígido, porque ainda que o homem corra, o corpo talvez hiper-desenvolvido é portador de uma mente inativa e que com o passar do tempo se torna atrofiada. E que faz um espírito atrofiado diante de uma maravilha? Em um primeiro instante, a pessoa de atividade simples agitada mas de espírito atrofiado fruirá de forma primária o prazer meramente sensível da maravilha. Mas depois, quando o prazer deva ser mais de espírito, quando seja o momento de dar um salto até o alto e descrever com as próprias palavras a maravilha sentida, ou inclusive de relatar em termos as próprias sensações maravilhosas que a maravilha produz, o espírito atrofiado encontra ‘oxidados’ seus próprios instrumentos racionais, e não poderá deleitar-se com esse prazer muito mais profundo, o prazer intelectual da maravilha, um prazer que abre as portas aos sobrenaturais prazeres místicos.

A pessoa assim, dificilmente gera esquemas próprios e enriquecidos para auscultar a realidade. Seus esquemas são muito simples, e muito básicos, muito de prazer sensível-dor sensível, muito de prazer-desprazer físico, e facilmente qualquer pequeno obstáculo ou carência física o afeta por inteiro.

A convocatória é, pois, a que com a ajuda de Deus, e pedindo-lhe a virtude da temperança, comecemos a desoxidar o também maravilhoso mecanismo de nossa razão, e de nossa imaginação não meramente sensível mas unida às palavras que descrevam as imagens. Tudo isso vai unido à contemplação.

Estava indo ao aeroporto deixar a um amigo e Deus lhe obsequiou um entardecer fenomenal? O entardecer ainda tem capacidade de atrair a alma predominantemente sensível. Mas busque em um segundo instante deter seu espírito um momento, queira frear a máquina a todo vapor da ânsia das percepções e palpitações meramente sensíveis. Frua em um primeiro instante se o prazer que lhe produz a maravilhosa combinação de luzes, nuvens e tons de cores do céu maravilhoso, mas depois… tente descrevê-lo com as próprias palavras, tente plasmar em termos aquilo que está sentindo e vendo, para que essas maravilhosas sensações permaneçam mais no espírito.

E tudo isso para depois voar a um Reino mais perfeito, o império da construção de mundos possíveis maravilhosos mais perfeitos, talvez irreais, mas a meio caminho entre as maravilhas da terra e as maravilhas do céu.

Por Saúl Castiblanco

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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