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Madre Cecília, a mãe dos necessitados

Rio de Janeiro (Terça-feira, 02-02-2016, Gaudium Press) Tenho recebido pedidos de apoio para a causa de beatificação da Madre Cecília, e os tenho encaminhado. Além dos apoios de assinaturas, creio ser outro muito importante falar sobre a vida dela. Para isso, utilizo-me de livros que recebi e textos nos sites que me fornecem os dados da Madre, muitos deles do próprio instituto religioso, a quem agradeço pelas informações.

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Graças a Deus temos tido muitos processos de beatificação em nosso país. O apelo do Papa São João Paulo II quando de sua visita ao nosso país tem produzido efeitos. O Brasil necessita de santos! Precisa anunciar que nestas terras temos muita gente santa, e alguns podem ser colocados como exemplo para a sociedade com o processo de beatificação e canonização.

Quando nos colocamos a refletir sobre a ação de Deus no mundo ou a chamada “história da salvação”, percebemos que Ele nunca desampara a nenhum de nós, seus filhos, e jamais se cansou de enviar mensageiros ao povo necessitado no Antigo Testamento até que, na “plenitude dos tempos”, enviou o seu próprio Filho, Jesus Cristo, para a salvação da humanidade (cf. Gl 4,4-6).

No entanto, a partir de Jesus a história continuou a contar sempre com novos mensageiros que, nas épocas mais difíceis, testemunham a presença misericordiosa – e estamos justamente celebrando o Ano da Misericórdia – de Deus na nossa vida. É a força certa nas horas incertas de nosso viver, ou os carinhos do Pai Celeste para conosco, sempre e em toda parte.

Ora, um desses sinais nos vem de Piracicaba, interior de São Paulo, com a Senhora Antoninha, filha de Pedro Liberato de Macedo e de Rosa Martins Aguiar B. Almeida, nascida em 7 de julho de 1852 como a quinta dentre os nove filhos do casal Macedo. Batizada em 7 de novembro do mesmo ano em que nascera, pelo Pe. Manuel José de França, pároco da cidade cujo nome significa lugar onde tem muito peixe parado e, por isso, pode ser pego com facilidade.
Teve, à diferença de algumas de suas contemporâneas, a felicidade de aprender a ler e também de ser costureira (“modista”), ganhando, assim, fama na cidade e criando bons relacionamentos com as famílias que buscavam seus serviços. Eis um futuro promissor para a época em que quase tudo girava, na região, em torno do café e, depois, da cana de açúcar, em um ambiente bem rural, cuja cidade importante mais próxima era Itu.

O plano de Antoninha, porém, era outro. Ela desejava ir para São Paulo e ser monja no Mosteiro da Luz, das religiosas concepcionistas franciscanas, mas não conseguiu, pois o Mosteiro da capital era muito pobre e dependia que as candidatas fizessem uma oferta financeira para manter a obra. Se a porta não lhe estava aberta na capital, no seu coração o desejo de se doar a Deus na pessoa do próximo permanecia bem vivo, de tal modo que, um dia, ela apresentou a uma grande amiga o seu verdadeiro sonho: “Anda na minha mente, Rosa Cândida, uma ideia que não sei se será de Deus ou tentação. Desejava arranjar uma casa onde, morando com algumas Irmãs Terceiras, pudéssemos, além de levar uma vida de oração e de trabalhos, nos dedicar ao apostolado das almas, auxiliando os nossos capuchinhos em suas árduas missões”.

Aliás, em outra ocasião, a mesma mulher de Deus confessará que “a vocação é uma dádiva de Nosso Senhor, é uma pedra preciosa que Deus só dá para as almas boas; a ela, você deve corresponder, porque é grande. Veja de a fazer crescer, correspondendo a essa graça. Na vida religiosa tem muito sofrimento, mas Deus dá a graça”. E mais: “Tudo na vida religiosa é um valor. Até o sofrimento é um presente de Deus” e “Se há prazer no mundo, ele está no fundo do coração de uma religiosa”. Quanta meditação para este Ano da Vida consagrada encontramos em cada uma dessas declarações?

Para entender o contexto no qual Antoninha fala em ajudar os capuchinhos, é preciso saber que, no dia 16 de março de 1890, os primeiros missionários dessa Ordem chegaram a Piracicaba a fim de cuidar da Igreja de Nossa Senhora da Assunção, na Rua da Boa Morte, e dentre eles estava frei Luiz Maria de São Thiago, grande incentivador da Ordem Franciscana Secular (ou Ordem Terceira) na cidade, da qual nossa candidata aos altares irá fazer parte. Não só de modo comum, mas, sim, como a primeira “ministra” (superiora) geral, de 1885 a 1898, tempo em que já era viúva.

Viúva?… Poderão perguntar alguns. Mas ela não desejava ser freira? O que houve com nossa jovem nesse meio de tempo para que viesse a se casar e, inclusive, a ter filhos? – Em primeiro lugar, é preciso dizer que os projetos de Deus nem sempre são os nossos e só quem se abandona em Suas mãos é capaz de entender isso sem esmorecer na caminhada, por vezes bastante árdua. Foi o que se deu com Antoninha.

Em 11 de fevereiro de 1888, muito pressionada por seu pai, já aos 35 anos de idade, algo incomum na época, casou-se com Francisco José Borges Ferreira, um marceneiro e músico de nacionalidade portuguesa, com quem teve três filhos: Rosa, João e Antônio, aos quais se dedicou durante toda a sua longa vida de 98 anos. A mais velha lhe dera um trabalho maior, pois nasceu, ou se tornou desde muito pequena, cega.

O desafio, contudo, não era só esse: o marido de Antoninha também era alcoólatra e, sob efeito da bebida, causava confusões em casa. Embora nunca tivesse agredido a esposa, de gênio forte, atormentava os filhos, chegando mesmo a maltratá-los, o que levava a mulher com as crianças pequenas a se refugiar em casas de amigos.

Em 7 de dezembro de 1893, ele faleceu, cuidado pela esposa, vítima de uma inflamação pulmonar. À diferença de mais alguns meses, faleceu também seu pai e sua mãe. Estava ela viúva e órfã aos 41 anos, com três filhos para criar. Daí sua confissão tão humana: “Tenho chorado tanto, que já não sei o que será da minha vida”.

Saiu dessa crise fortalecida, sustentou-se com seus trabalhos de costureira e conseguiu enviar os dois filhos mais novos para estudarem em São Paulo. Era hora também de retomar àquela antiga inspiração que ela confessara à melhor amiga, Rosa Cândida, não saber se era algo divino ou diabólico: a fundação de uma obra para socorrer os necessitados. Foi, com duas companheiras – Rosa Cândida e Luizinha -, falar com frei Luiz, que a acolhera, anos antes, na Ordem Franciscana Secular.

Este lhes assegurou, sem pestanejar, que sua inspiração vinha de Deus: “Não é loucura, minhas filhas, é vontade de Deus. E até digo mais. Já tenho uma candidata para o Recolhimento. Somente a finalidade é que não está bem clara. Para agradar mais a Deus, devem dedicar-se à caridade, acolhendo e dedicando-se a órfãos e crianças desvalidas. Desse modo, também o povo as ajudará de boa vontade”.

A ideia do frade capuchinho a princípio não a agradou muito, mas ela aceitou e os frutos começaram a surgir: o Pe. Cândido Galvão Paes de Barros, pároco da cidade, deu aprovação ao trabalho e as autorizou a também pedir esmolas para ajudar a obra das meninas pobres; ganhou também um terreno. no qual pode edificar uma casa de três andares, inaugurada em 2 de fevereiro de 1898, com o mesmo propósito. Já havia um grupo de moças e senhoras que, embora não fossem freiras, se vestiam com um hábito preto com mantilha da mesma cor e viviam uma pobreza extrema, a ponto de não terem cadeiras para sentar nem sapatos para se calçarem. Mas Deus era o Tudo delas.

Dois pontos fortes marcavam, de um modo todo especial, a vida desse grupo que logo se tornaria uma Congregação Religiosa na Igreja: a espiritualidade franciscana e a devoção especial ao Imaculado Coração de Maria. Sim, na fachada da casa se lia: “Asilo Coração de Maria, nossa Mãe”, de modo que frei Luiz comentou duas coisas importantes: “Dia e noite, esse dístico atrairá os olhares dos transeuntes, e assim, todos, católicos ou não, vão dizer: ‘Coração de Maria, nossa Mãe'”. E mais: no discurso de bênção, o mesmo piedoso capuchinho declarou: “Daqui em diante, em Piracicaba, as meninas pobres, órfãs e desvalidas não chorarão mais as lágrimas da orfandade, pois o Coração de Maria, nossa Mãe, a todos oferece auxílio e agasalhos maternais”.

No aspecto franciscano, a já então conhecida “Madre Cecília”, que ao se tornar franciscana secular tomara o nome de Irmã Maria Cecília do Coração de Maria, recomendava à formadora que ensinasse às candidatas o seguinte: “Diga a essas jovens que para ser Franciscana é preciso que conheçam e vivam o mistério da cruz”. E mais: não basta apenas realizar uma obra de misericórdia corporal por desencargo de consciência. É preciso fazer mais, por isso ensina também “Mamãe Cecília”: “Além de ser uma obra de misericórdia vestir os nus, devemos nos empenhar em promover a higiene física e mental dessas pobrezinhas”. Ela desejava “amparar, proteger e bem encaminhar as órfãzinhas de nossa cidade”.

Pois bem, nos dois primeiros capítulos (reuniões gerais), 1906 e 1909, Madre Cecília foi eleita superiora geral da Congregação, permanecendo no cargo até 1912, quando a obra já parecia poder, por graça de Deus, caminhar sozinha, pois frei Luiz falecera em 1910 e a fundadora retirada do cargo em 1912. Além do afastamento, começaram as perseguições à Madre e sua empreitada (que ela sempre reconheceu não ser dela, mas de Deus), de modo que o Bispo de Campinas, Dom João Batista Corrêa Nery, estava pronto para assinar a extinção da Congregação, mas a caneta – conta-se – não funcionou, escapou-lhe da mão e pulou no chão, fazendo-o desistir da ideia.

Enfim, Mamãe Cecília, por calúnias e críticas devido ao cuidado com sua filha portadora de necessidades especiais, foi, finalmente, afastada da obra que fundara para viver em uma casa à parte, chamada de “chalé”, passando nesse isolamento dos 64 aos 95 anos, na oração do rosário, no silêncio, nas visitas a Jesus, prisioneiro no Sacrário, e no abandono às mãos de Deus, sem murmurar contra a autoridade da Igreja, não obstante o seu gênio forte e destemido, mas que, no final, se tornou carinhoso e meigo. Tanto que pouco antes de morrer, em 6 de setembro de 1950, aquela velhinha encurvada e frágil pediu perdão à então superiora geral por alguns desencontros no trabalho da Congregação que frutificou.

Voltando, porém, à sua obra, lembramos algumas datas importantes: 1900, aprovação de Dom Antônio Cândido Alvarenga, Bispo de São Paulo; 1912, a aprovação de Dom José de Camargo Barros, também Bispo de São Paulo, a aprovação dos estatutos disciplinares; em 1921, Dom Francisco de Campos Barreto, Bispo de Campinas, aprovou as primeiras Constituições da Congregação e, no mesmo ano, o ministro-geral dos Capuchinhos, frei José Antônio de Persisceto, agregava a nova Congregação à grande família franciscana; em 1928, o mesmo Dom Barreto erigia canonicamente a Congregação; em 1945, o Papa Pio XII assinava o Decreto de Louvor da obra franciscano-mariana e, em 1956, aprovava, definitivamente, as Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.

Eis aqui, prezado(a) irmão(ã), uma vida consagrada a Deus que jamais se afastou da cruz, nem se revoltou nas horas difíceis e ainda soube pedir perdão por alguns erros que todos nós temos na vida, antes de rumar para o encontro definitivo com o Senhor, seu divino Esposo. Tais gestos nos ensinam a “ciência da santidade”, ou seja: santo(a) não é aquele(a) que não tem pecado, mas, sim, quem se reconhece pecador, se arrepende e pede perdão, reflexão que dias atrás o Papa Francisco fez para o mundo. Afinal, já ensinava Santo Ambrósio de Milão que “errar é comum a todos os homens, mas arrepender-se e pedir perdão é próprio dos santos”. (Apologia David ad Theodosium Augustum II, 5-6).

Possa, pois, a Madre Cecília, cujo Nihil Obstat da Santa Sé para o seu processo de Beatificação foi concedido em 10 de agosto de 1992, ensinar-nos a acolher a todos sem distinção, a sofrer com resignação os reveses da vida e a esperar sempre que Deus, por intercessão do Coração Imaculado de Maria, nos dê a Sua graça, especialmente nos momentos mais difíceis da nossa caminhada, tendo dentre os tantos bons exemplos também a Madre Cecília.

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

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