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Emaús ou o esboço de uma Missa

Redação (Terça-feira, 03-05-2016, Gaudium Press) Estamos ainda no tempo litúrgico no qual se celebra a Páscoa do Senhor.Emaús ou o esboço de uma Missa.jpg

Jesus aparece numerosas vezes durante os quarenta dias que mediam entre o domingo de Páscoa e a Ascensão. Essas aparições estão registradas em livros do Novo Testamento, ainda que não todas. O encontro do Ressuscitado com Maria Santíssima, por exemplo, não consta no Canon das Escrituras; mas é seguro que Ele não pode deixar de celebrar seu triunfo sobre a morte com a Mãe.

Sobre este particular, a exegese bíblica -católica, claro- é unânime. Papas, teólogos e santos, professam essa crença: é o caso, por exemplo, de Inácio de Loyola, Teresa de Jesus, Maria de Agreda, João Paulo II, etc.

No total são dezoito os relatos dos textos canônicos que não falam de onze aparições do Ressuscitado.

Muito significativa, detalhada e emocionante é a narração de São Lucas (24, 13-25) onde nos é dito que “naquele mesmo dia” (o da Ressurreição), o Senhor se manifestou a dois discípulos que caminhavam desanimados até uma aldeia, Emaús. O evangelista Lucas seria um deles, o outro se chamava Cleofás.

Nos interessa ressaltar que a narração da sequência do encontro de Jesus com ambos, evoca a celebração de uma Missa. Vejamos:

A cena se dá no dia de domingo, o primeiro dia da semana, o dia da Páscoa. É o dia do Senhor, o dia em que a celebração eucarística é de preceito.

Outro dado significativo é o fato que iam dois (um terceiro se somará depois!). Portanto não se trata de um indivíduo solto mas de dois que vão juntos e unidos, como na Missa, formam um corpo, uma família, uma comunidade.

Os caminhantes estão tristes, arrependidos, confusos. Essas são um pouco as disposições dos fiéis na primeira parte da Missa em que nos reconhecemos pecadores e pedimos perdão: “Senhor tem piedade!”.

Quando se encontram com o Divino Mestre (a quem não reconhecem no princípio), é o momento da liturgia da palavra: “Pouco entendem vocês, e lentos são seus corações para crer em tudo o que anunciaram os profetas”. É a escuta da Palavra e a homilia. As dúvidas se esclarecem, a Fé se reacende e os sentimentos feridos se colocam em ordem: “Não sentíamos arder nosso coração?”, comentaram os dois depois.

Em determinado momento, quando Jesus faz gesto de distanciar-se lhe dizem: “Fique conosco, já está caindo a tarde”. Depois da escuta, chega o momento da resposta. Na Missa, confessamos nossa Fé proclamando-a com a recitação do Credo e fazendo com que Deus permaneça conosco, inclusive quando anoitece. Creio! É a resposta da fé em toda circunstância.

Depois vem o oferecimento: os discípulos convidam ao caminhante a entrar e lhe apresentam o pão e o vinho, como se faz no ofertório da nossa Missa.

“Enquanto estava na mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, o partiu e lhes deu”. É o momento da consagração e da comunhão. Aí ambos caem em si e lhe adoram, como os fiéis que ao receber a Cristo dizem “Amém” diante de sua real presença. “Nesse momento lhes abriram os olhos e o reconheceram”.

A ação de graças depois da comunhão é ocasião em que nossa alma se enche de gozo na evocação do dom infinito recebido. Depois de compartilhar o Pão, eles disseram: “Não sentíamos arder nosso coração quando nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras?”. A comunhão potencia tudo o que temos aprendido e vivido durante o dia a dia de batizados.

Por fim, depois de ter tido a bênção de um tal encontro, se retiram e vão evangelizar: “De imediato se levantaram e voltaram a Jerusalém, onde encontraram reunidos aos onze e aos de seu grupo (…) contaram o sucedido no caminho e como o haviam reconhecido ao partir do pão”. É o ‘Ite missa est’ da Missa, que equivale a um envio a viver o que se celebrou. Os dois do relato se colocam em missão: foram testemunhas da Ressurreição e vão anunciá-la aos demais contando a experiência vivida. Fazem como os Reis Magos que, segundo nos narra o Evangelho, “voltaram à sua terra por outro caminho” (Mt. 2, 12). Na realidade seu “novo caminho” é o fato de deixar o paganismo e de abraçar o culto ao Deus verdadeiro, ao que acabaram de adorar e de oferecer-lhe presentes no que fosse seu peculiar “eucaristia” que em grego significa “ação de graças”.

Estes discípulos que voltavam desanimados à sua pequena vida de outrora abandonando seus compromissos, deixam a rota de Emaús e retornam a Jerusalém. Emaús é um caminho de deserção; Jerusalém é caminho de conversão.

Cada Missa, cada comunhão sacramental ou espiritual, cada ato de adoração, é um contrato transformador com o Deus vivo que vem ao nosso encontro, e um convite a deixar rumos mesquinhos para voltar aos compromissos da Fé.

Por Padre Rafael Ibarguren, EP

(Publicado originalmente em www.opera-eucharistica.org)

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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