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O silêncio: o grande conselheiro

Redação – (Segunda-feira, 30/05/2016, Gaudium Press) – É noite e, no cume da montanha, reina a mais negra escuridão, apenas cortada pelos pálidos reflexos da lua que, por entre espessas camadas de nuvens, rasgam por alguns momentos as trevas. É noite escura, as estrelas quase não brilham, parecem mudas no firmamento à espera de grandiosos acontecimentos que lhes anunciem a vitória. No alto da montanha, uma altiva e imponente construção parece desafiar a noite com suas torres e ameias belamente talhadas na pedra. É um magnífico castelo, uma fortaleza antiquíssima, uma relíquia da Cristandade.

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Apesar de ser meia-noite, uma luz brilha com intensidade incomum no recinto sagrado do castelo; no altar-mor seis velas iluminam um riquíssimo crucifixo de mármore encrustado de pedras preciosas e os brilhos multicolores que destas se espargem à luz das velas são refletidas com particular beleza na prateada lâmina de uma espada, que honrosamente repousa em cima do altar. Ao seu lado, a imagem da Virgem das Batalhas olha com predileção a uma figura, que de joelhos, passa horas desta noite escura em silêncio e oração.

É um cavaleiro, ou melhor, será ” armado cavaleiro” se passar com heroica piedade a noite de vigília de armas. Reina o mais profundo silêncio no Castelo, na montanha e quase se poderia dizer que em toda a face da Terra. O mundo inteiro parece conter a respiração para assim admirar, no mais profundo silêncio, este intrépido penitente. Sua oração, embora silenciosa, comove os Anjos que ali o observam e o protegem, afugentando os demônios que parecem não suportar tanta quietude. E é na negrura da noite que este mesmo silêncio começa a falar ao coração do jovem cavaleiro.

Sem ainda compreendê-lo completamente, o cavaleiro levanta ao céu uma fervorosa oração e agradece, com filial afeto, ao Pai do Céu por lhe conceder conhecer os mistérios da cavalaria, não em um campo de batalha, mas no profundo silêncio de uma noite de oração. Seu espírito, antes ávido de glórias passageiras e mundanas, acaba de ser iluminado pela fé e busca não mais a sua própria glória, mas a de Deus; não mais os efêmeros aplausos da nobreza, mas sim, os méritos com que são coroadas as virtudes; não a conquista de praças e fortalezas, mas a coroa da gloriosa santidade que só os verdadeiros soldados de Cristo conquistam.

A aurora ainda não chegou, a escuridão da noite se recusa a dissipar-se; os pálidos raios do sol ainda não venceram a batalha do amanhecer e este jovem cavaleiro permanece ainda de joelhos diante do Tabernáculo. Os fantasmas da noite não o desanimaram, o silêncio e a obscuridade fortaleceram-no em seus propósitos de santidade, e a Virgem Imaculada, qual terna e bela mãe, protegeu seu espírito contra as frivolidades da idade.

E o que diz o silêncio? O silêncio fala de Deus e da Virgem, que certamente dali o observam com predileção. O silêncio narra as gloriosas batalhas dos mártires cujas relíquias são veneradas há séculos e, ensina-lhe o segredo de tais virtudes heroicas. O silêncio fá-lo recordar os prodigiosos feitos de seus antepassados??, e as tremendas lutas que travaram para gloriosamente conquistar a coroa da eterna bem-aventurança. Também ele deverá se esforçar para obter a glória de seus antepassados ??e a virtude dos santos. No silêncio da noite, o cavaleiro analisa o seu futuro na defesa da fé e da Igreja: as guerras e batalhas, os perigos e ameaças da vida de campanha, as aventuras e dificuldades enfrentadas durante as guerras, os infortúnios e derrotas que ocorrem quando se é covarde e medíocre, a tristeza e desolação que assola o inconstante e indisciplinado. As horas se passaram, mas o humilde cavaleiro persiste em sua vigília e estes e muitos outros pensamentos sussurram ao seu ouvido o silêncio …

Este cavaleiro se lembrará por toda a vida que aprendeu mais no silêncio da vigília de armas do que nas mais gloriosas e sangrentas batalhas, e que o segredo da vitória não está no meio da agitação de armas, mas sim naquela paz e, que iluminado pela graça se entrega nas mãos da Providência, para que Ela o sustente, o guie e o conduza à morada eterna …

Quiçá, quem está lendo estas poucas linhas sorri ao terminar de fazê-lo e, julgue – não sem uma forte dose de “senso comum” – que esses belos pensamentos pertencem infelizmente ao passado, e só podem figurar nas páginas de alguma ” Catena Aurea”, incapazes de fazer eco no meio do buliço da sociedade hodierna.

Para uma sociedade tecnológica como a nossa, onde como outros Baals, os ídolos da modernidade levantam seus altares em todos os lugares, arrastando a humanidade inteira – cada vez mais pragmática e ateia – para os abismos da irracionalidade, parece loucura querer falar em silêncio … Para os homens de hoje, não há tempo para pensar, meditar e muito menos para se calar. A humanidade caminha escravizada por um exército tão atrativo como perigoso, composto por agentes cada vez mais numerosos: telefones, televisores, computadores, telefones celulares, smartphones, iPods, tablets … e um sem fim de componentes tecnológicos capazes de aterrorizar a alma de qualquer pobre medieval que pudesse contemplá-los, e que têm cruelmente substituído as formas mais orgânicas de relacionamento humano.

Este exército virtual conquistou as mentes humanas, quase que imperceptivelmente, e alterou drasticamente os costumes da sociedade, relegando à “idade da pedra” as antigas e amenas tertúlias entre amigos, as acaloradas discussões nas praças, as tradicionais conversas de família, as meditações de um monge, as boas leituras de um jovem em uma tarde de inverno e até mesmo as inocentes brincadeiras de crianças, por intermináveis ??e odiosos videogames, chats, twitters e tudo o mais que estão ainda por ser inventados, eliminando completamente os momentos plácidos e necessários de silêncio que possuía a humanidade.

De fato, o esplendor e a fecundidade, escondidos no silêncio são um precioso tesouro que a humanidade precisa redescobrir e verdadeiramente praticar para alcançar os picos mais altos da santidade. Ele é a autêntica força na formação espiritual das almas, e dá seus frutos na vida religiosa; que podem ser, perfeitamente, aplicados à vida secular dos católicos no século XXI.

Por Irmã Gabriela Victoria Silva Tejada, EP

(Do Instituto Filosófico-Teológico Santa Escolástica – IFTE)

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