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Primeiro Deus

Redação (Quarta-feira, 13-07-2016, Gaudium Press) Ainda que tenhamos nascido em uma família cristã, termos sido educados religiosamente, estarmos vivendo em uma sociedade com raízes católicas, isso não nos dispensa de “renovar a escolha de sermos cristãos, quer dizer, dar a Deus o primeiro posto, diante das tentações que uma cultura secularizada propõem continuamente, diante do juízo crítico de muitos contemporâneos” (Bento XVI, 14-02-2013).

Sempre corremos o risco de preferir um mundo que seja bem estabelecido, calmo, sem problemas, cheio dos gozos da vida, no qual tudo corra bem, mas no qual Deus… não é o primeiro, mas que ocupa um espaço na vida diária apenas no privado, sem que suas normas nos molestem, sem que seus mandamentos se intrometam nos nossos planos… Se corre o risco de impôr nossos desejos, nossa vontade, e não dar lugar para que Deus coloque sua mão, que ponha sua vontade divina.

Ficamos enfeitiçados pelo mundo secularizado que vivemos, com as coisas que nos rodeiam, anelamos apenas os bens materiais. Esquecemos que “nem somente de pão vive o homem, mas de toda palavra que vem de Deus”. Colocamos o coração apenas nos “tesouros” deste mundo que passa, limitando-nos ao imediato, esquecendo que fomos feitos por Deus e que portanto, nada do que seja inferior a Ele poderá saciar-nos. Pensamos impôr nossa mentalidade a Deus e esquecemos que somos nós os que temos que acolher em nossos corações a vontade de Deus Nosso Senhor.

Difícil é enfrentar estas circunstâncias para quem quer permanecer fiel no matrimônio, na prática da misericórdia na vida cotidiana, em viver momentos de oração e recolhimento em meio das “cacofonias” da “modernidade” que nos rodeia. Mais difícil é opor-se, publicamente, ao que muitos consideram normal, mesmo sendo violações aos Mandamentos da Lei de Deus. É a tentação de colocar Deus aparte, que não seja “primeiro”, e como triste consequência, vem o distanciamento de Deus.

Vivemos uma época “de eclipse do sentido do sagrado”, afirmava Bento XVI. Mas, dentro deste panorama, e sabendo que o homem não pode viver sem Deus, também compreendemos que a graça de Deus atua e obra maravilhas em muitos.

Foram as circunstâncias em que vivia o famoso literato naturalista francês Joris-Karl Huysmans, considerado um admirável escritor do século XIX. Se encontrou, a certa altura de sua vida, submergido em uma tremenda crise. Lúcido para abominar o século que vivia, sem amparo de amizade ou família, se isolou do convívio de todos criando em si um vazio tremendo. Pensava que podia viver sem Deus. Em seu pequeno quarto em Paris um dia conheceu a um pseudomédico que frequentava rodas de espíritas, mágicos, astrólogos. O levaram para que assistisse a uma Missa negra, celebrada em honra do demônio por um sacerdote suspenso no uso das ordens sagradas. Descreve este autor detalhadamente o sacrílego ato. Ao final foge apavorado. Refletia depois que se o demônio, de cuja existência já não duvidava, odeia tanto a hóstia consagrada é porque realmente ela é o corpo de Cristo, e a Igreja Católica é a verdadeira. Começa um processo de conversão. Quando entrava em uma igreja se extasiava diante das belezas da liturgia católica. Sua alma se elevava com os acordes do órgão desenvolvendo grave e compassadamente a música sacra. Descreve o canto “De profundis”, “O miserere”, a missa dos defuntos, assim como a alegria exultante do ‘magnificat’, em belas páginas de seu livro “Além”.

Frequentando igrejas de Paris ficava impressionado tanto nas portentosas, com suas ogivas medievais e vitrais, como nas igrejas pequenas e populares, com suas mulheres pobres e seus mendigos. Não lhe preocupavam já os argumentos filosóficos nem as contendas científicas nas quais os silogismos se entrechocam pró ou contra a Fé.

Decide fazer um retiro em um mosteiro trapense distante, o relata em outro livro intitulado “A Caminho”. Suas impressões na vida do convento foram de verdadeiro deslumbramento. Os monges, com sua oração, trabalho e penitência, o “sentir” o silêncio, a oração noturna, o canto da ‘Salve Regina’. Tais cenas atuaram profundamente no ânimo de Huysmans para resolver confessar seus pecados com profunda contrição. Foi assim seu ingresso ao catolicismo.

O que sucedeu nele? Como chegou a colocar Deus primeiro, mesmo na adversidade em que vivia? Ocorre que, diante do sagrado e do mistério, todo espírito humano tem sua porta de entrada: a reflexão. As imagens que lhe foram apresentadas adquiriram domínio sobre ele, direito de cidadania em seu espírito. Sofre um desmoronamento, um colapso, como o de uma porta que é forçada, passando por cima da vontade. Não se consegue desembaraçar. Foi uma ação persistente, que entrou sem consultar, sem pedir permissão ao raciocínio; se fixa, se instala dentro da alma. É a ação misteriosa da graça de Deus. É um momento de “choque”, um auxílio que Deus concede predispondo a pessoa ao bem.

É o que sentiram os discípulos de Emaús: “Não estava ardendo nosso coração dentro de nós quando nos falava no caminho?”. É o que viveu Santa Maria Madalena ao escutar a voz do Senhor quando lhe disse “Maria”. É o que sentiu São Pedro, depois de tê-lo negado: “O Senhor se voltou e o olhou… e saindo, começou a chorar amargamente”. Sentiam uma realidade transcendente e sobrenatural que penetrava a fundo no coração. Isto os levou a colocar em suas vidas primeiro a Deus. Abriram seu coração, foram coerentes, dando lugar para que Deus ponha sua mão, colocando-o realmente em primeiro lugar, enfrentando as pressões do mundo que nos rodeia.

É uma luta cotidiana, a todo momento. Insiste São Paulo em dizer: “Aspirai aos bens de cima, não aos da terra”. Peçamos à Santíssima Virgem, Mãe intercessora diante de Jesus Nosso Senhor, que nos obtenha firmeza para que em meio das “tentações de uma cultura secularizada” como a que vivemos, sempre ponhamos, sinceramente, a Deus… primeiro!

Por Padre Fernando Gioia, EP

(Publicado originalmente em www.laprensagrafica.com no dia 12-07-2016)

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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