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A ordem social perfeita entre os homens como reflexo da ordem celeste entre os bem-aventurados

Redação – (Quarta-feira, 31/08/2016, Gaudium Press) – Os homens por natureza tendem a viver em sociedade uma vez que, como indica a Sagrada Escritura, “dois homens juntos são mais felizes que um isolado, porque obterão um bom salário de seu trabalho. Se um vem a cair, o outro o levanta. Mas ai do homem solitário: se ele cair não há ninguém para o levantar” (Ecl 4,9). Ao mesmo tempo, toda pessoa no fundo de sua alma clama por uma ordem social paradisíaca. Pela Fé, sabemos que no Céu se encontra a sociedade perfeita porque Nosso Senhor Jesus Cristo convive com os santos de modo semelhante a como o Sol reside na Terra. Com efeito, assim como o astro rei lança seus dardos, enche, vivifica e rege tudo, assim é iluminada, ordenada e dirigida a vida dos santos que estão na visão beatífica.

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São Luís IX carregando em procissão a relíquia da Coroa de Espinhos
até Notre Dame. Jules David, Paris, 1861.

Mas como imaginar esta sociedade celeste? Esta tarefa parece impossível, pois “mal podemos compreender o que está sobre a terra, e dificilmente encontramos o que temos ao alcance da mão. Quem, portanto, pode descobrir o que se passa no céu? ” (Sb 9,16). Não obstante, Deus jamais abandona os homens. Por isso, entre outros inúmeros benefícios, Ele nos deu a Revelação. E assim, São João Evangelista, estando exilado na Ilha de Patmos, viu a sociedade celeste dos anjos e dos santos adorando a majestade de Deus e de seu Cordeiro, e a descreveu no Apocalipse.

Portanto, com base em alguns princípios tirados de sua visão, procuraremos imaginar como seria uma ordem social perfeita entre os homens, como reflexo da ordem celeste entre os bem-aventurados. Mas, sem pretensões ambiciosas, teremos muito presente que “os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

I. O FUNDAMENTO DA ORDEM SOCIAL

Dar glória a Deus

Todo homem, com o auxílio da graça e pela poderosa intercessão de Nossa Senhora, será no Céu aquilo que é na Igreja Católica, figura antecipada da eterna bem-aventurança.

Assim como cada pessoa ocupará no Céu um trono, poder-se-ia dizer que cada um ocupa na Igreja e na sociedade um alvéolo, no qual tem de guardar mel puro, dourado e doce, com vista à colmeia alcançar seu estado de esplendor. Pois, como disse o Apóstolo, “a uns ele constituiu apóstolos, a outros profetas, e a outros evangelistas, pastores e doutores, a fim de que todos trabalhem na perfeição dos santos nas funções de seu ministério, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12).

Logo, para que a ordem social perfeita possa reinar numa nação, é preciso que cada membro da sociedade esteja compenetrado que ele existe para dar glória a Deus no Céu, dando-Lhe antes glória na terra.

Aquele que fizer isto terá, na eternidade, o prêmio de um maior convívio com Nosso Senhor Jesus Cristo:

“Eu vi ainda: o Cordeiro estava de pé no monte Sião, e perto dele cento e quarenta e quatro mil pessoas que traziam escritos na fronte o nome dele e o nome de seu Pai. Estes são os que não se contaminaram com mulheres, pois são virgens. São eles que acompanham o Cordeiro por onde quer que vá; foram resgatados dentre os homens, como primícias oferecidas a Deus e ao Cordeiro. Em sua boca não se achou mentira, pois são irrepreensíveis” (Ap 14, 1.4.5).

A virtude é a raiz da ordem social

Assim descreve São João Evangelista a cerimônia dos Anjos e dos santos adorando a Deus: ” Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos perfumes, compostos das orações de todos os santos, para que os oferecesse no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus” (Ap 8, 3-4).

Para que a ordem social na Terra possa atingir a sua perfeição, é necessário que ela reflita este ato de louvor a Deus oferecido pelos anjos e pelos bem-aventurados. Com efeito, conforme afirma São Tomás (Cf. Suma Th III, q. 83, a. 5, sol. 2.), o incensamento representa o efeito da graça da qual, como bom odor, Nosso Senhor estava pleno, segundo o que está escrito no Gênesis: “Eis aqui o odor de meu filho, que é como o aroma de um campo florido” (Gn 27,27). E os homens, mediante a pratica da virtude, devem comunicar aos outros o bom odor de Cristo, “que por nosso meio difunde o perfume do seu conhecimento em todo lugar” (2Cor 2,14).

Portanto, a sociedade só será boa e ordenada na medida em que os bons preponderem e na qual o amor a Deus e a prática da virtude sejam as raízes da vida social. Uma nação com este fundamento produzirá homens puros e irrepreensíveis como as abelhas nas colmeias produzem o seu mel.

II. A ORDEM SOCIAL E O GOVERNO

Pode existir ordem sem o governo?

A ordem na sociedade nasce da ação espontânea do homem imbuído do bem em colaboração com outros bons. Assim, a ordem nasce em grande parte da espontaneidade reta como fruto da graça nas almas dos homens virtuosos.

Contudo, esta concepção de sociedade com espontaneidades boas não elimina o governo. De fato, é impossível que um estado atinja a ordem sem possuir uma liderança que oriente operativamente seus membros retos e bons.

Imaginemos, por exemplo, uma grande nação constituída de homens justos. É inegável que por causa de sua numerosa população ela necessariamente adquira certa complexidade. Isto, de um lado, torna difícil discernir os problemas que surgem na sociedade e, de outro lado, torna ainda mais difícil persuadir o povo das devidas soluções a seguir para o reto desenvolvimento da sociedade, porque nem todos vêem os problemas da mesma maneira.
Por isso, nos adverte com palavras graves a Sagrada Escritura: “Por falta de direção cai um povo; onde há muitos conselheiros, ali haverá salvação” (Pr 11, 14).

O Reino de Deus e a Corte Celeste

No Céu, o número de anjos é “de miríades de miríades e de milhares de milhares” (Ap 5, 11). O número de homens, embora seja muito menor, também é de milhares.

Apesar disso, o Apocalipse nos demonstra que na glória eterna não existe desordem alguma, porque Deus governa os bem-aventurados:

“No céu havia um trono, e nesse trono estava sentado um Ser. Ao redor havia vinte e quatro tronos, e neles, sentados, vinte e quatro Anciãos vestidos de vestes brancas e com coroas de ouro na cabeça.

“Os vinte e quatro Anciãos inclinavam-se profundamente diante daquele que estava no trono e prostravam-se diante daquele que vive pelos séculos dos séculos, e depunham suas coroas diante do trono, dizendo: Tu és digno Senhor, nosso Deus, de receber a honra, a glória e a majestade, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade é que existem e foram criadas” (Ap 4, 2.4.10.11).

Deus é o Rei glorioso que está sentado em seu trono. O Reino de Deus no Céu é um verdadeiro Reino, a tal ponto que os antigos devocionários chamavam o Céu de corte celeste. Os vinte e quatro anciãos são cortesãos que estão mais próximos d’Ele, e que O admiram, aclamam e obedecem, enquanto se desfazem em cortesias entusiásticas e reverentes.

Dirigir a sociedade rumo à perfeição

O governo tem a função de conduzir a sociedade como se esta fosse uma orquestra interpretando uma música: embora cada cantor execute a sua melodia, o talento do compositor e a capacidade do maestro são precisos para obter o encaixe de todos os sons para formar uma única harmonia. Este princípio é confirmado pela visão de São João uma vez que ele viu no Céu um coro celeste que “cantava como que um cântico novo diante do trono” (Ap 14,3a).

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Cristo em Majestade. Pórtico da Catedral de Burgos, Espanha.

Por conseguinte, a chave de um bom governo não está em sua forma, mas em ter coesão de alma com o povo. Os governantes precisariam ter uma espécie de discernimento dos espíritos da mentalidade e das tendências boas ou más daqueles que dirigem, para favorecer, dentro do plano natural, a prática da virtude e a reta ordenação das almas.

Uma sociedade assim estará apta para progredir rumo à perfeição.

III. A ORDEM SOCIAL PERFEITA

Segundo o que vimos anteriormente com base em princípios tirados do Apocalipse a respeito da Corte Celeste, temos uma sociedade que é governada, mas que é profundamente orgânica. De que maneira pode-se dizer que ela é orgânica?

No sentido de que a ordem social perfeita é semelhante à saúde de um organismo, a qual depende da interação saudável entre cada célula e cada órgão por elas constituído.

Quem abre uma tangerina, por exemplo, percebe que ela está constituída por um conjunto de gomos. Abrindo-os, descobre-se que estes, ao mesmo tempo, estão compostos por como que milhares de “garrafinhas”, de uma cor muito bonita, que por sua vez estão para o gomo como o conjunto dos gomos está para a tangerina. Então, cada uma dessas garrafinhas tem uma vida própria, e o conjunto das vidas dessas garrafinhas é a condição de existência do gomo.

Entretanto, dir-se-ia que o gomo tem uma vitalidade maior que por sua vez nutre as garrafinhas. Portanto, o próprio gomo recebe essa forma de vida do todo da tangerina, que tem uma forma de vitalidade participativa de cima para baixo e depois de baixo para cima. Nessa circulação da vitalidade com as suas peculiaridades e autonomias está a organicidade.

Pois bem, na sociedade orgânica o órgão está para o organismo como o povo está para a nação. De fato, o órgão tem uma entidade própria que é distinta do todo, mas não é diversa a tal ponto que ele possa viver fora do organismo. O todo depende da vitalidade do conjunto dos órgãos, ao mesmo tempo em que estes dependem da vitalidade do todo. De maneira que há uma espécie de recinto de vida própria, dentro do próprio órgão, e há de outro lado, algo de vital que o órgão recebe do todo.

Portanto, a sociedade ideal não é aquela em que o organismo nunca adoece, mas aquela em que a saúde dura mais tempo. Pretender construir uma nação perfeita que jamais erra, nunca tem problemas, e que não depende dos vaivens sublimes da justiça e da bondade de Deus, é construir uma utopia!

CONCLUSÃO

A verdadeira pedra angular da ordem social não está na forma do governo, mas no principium vitae de toda a vida do país e do estado: a alma da sociedade, que é Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

No Céu, a cidade celeste “não necessita de sol nem de lua para iluminar, porque a glória de Deus a ilumina, e a sua luz é o Cordeiro” (Ap 21,23). Na terra, a luz de Cristo e o perfume de sua presença se fazem presentes mediante a sua Igreja.

Nosso Senhor é “a Cabeça do corpo, da Igreja” (Col 1, 18), e “é por ele que todo o corpo – coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria – efetua esse crescimento, visando a sua plena edificação” (Ef 4,16).

Logo, a vitalidade de uma sociedade está na Santa Igreja. Quando decai a vida espiritual de uma nação, ela começa a morrer, e não tem outro remédio senão procurar a vida onde ela se encontra. É unido à Cabeça, pela união das junções e articulações, que todo o corpo se alimenta e cresce conforme um crescimento disposto por Deus (Cf. Col 2,19).

Por Pe. Rodrigo Alonso Solera Lacayo, EP

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