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O Mistério da Encarnação: Íntima união entre o Céu e a terra

Redação (Sexta-feira, 24-03-2017, Gaudium Press) “O Anjo do Senhor anunciou a Maria e Ela concebeu do Espírito Santo”! – A Anunciação tem tudo a ver com o Mistério da Encarnação.

Por isso mesmo, na véspera da festa da Anunciação de Nossa Senhora, pelo Arcanjo São Gabriel, as palavras do Padre Jacques-Marie-Louis Monsanbré, OP, são muito oportunas.

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Queria Deus dar à sua obra o mais elevado grau de glória e de beleza que ela fosse capaz de receber, e no mistério da Encarnação oferece-nos a prova desse querer.

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Para a construção de uma residência comum, o arquiteto não traça o projeto de um palácio; e se quer edificar um palácio, não desenha a planta de uma igreja. Como o projeto de uma obra depende do fim ao qual ela se destina, perguntemo-nos qual era o desígnio de Deus quando Se decidiu a criar o mundo.

Quereria Ele satisfazer a inclinação natural que O leva a fazer o bem, e manifestar sua glória através da beleza de sua obra? Bem pode ser, mas para isso seria mais do que suficiente a obra divina tal como a descrevi nas conferências anteriores. Deus queria mais.

O que, então? Almejava Ele levar ao extremo sua tendência a comunicar-Se, decorrente de sua suprema bondade; manifestar exteriormente suas infinitas perfeições em todo o seu esplendor; dar à sua obra o mais elevado grau de glória e de beleza que ela fosse capaz de receber.

Ele queria! A doutrina católica nos ensina isso e nos dá a prova desse querer, no mistério que ela propõe à nossa fé: a Encarnação, íntima união da natureza divina e da humana na Pessoa de Jesus Cristo, Verbo de Deus, Filho do Eterno Pai e homem como nós.

Deus não pode dar-Se mais

Por certo, não conhecemos o plano de Deus por termos penetrado nas profundezas de seu pensamento e perscrutado suas intenções; mas o pensamento e as intenções de Deus nos foram revelados pela execução de
seu plano, que São João descreve nesta sublime página de seu Evangelho:

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por Ele, e sem Ele

nada foi feito. […] E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 1-3.14).

O Verbo Se fez carne! Realizou-se no tempo este mistério, visto e decretado na eternidade. É o fundamento preordenado, a pedra angular, a peça mestra e principal da obra divina. Tudo vem d’Ele, tudo vai para Ele, por Ele tudo se mantém, nada mais era necessário para concretizar as intenções de nosso grande Deus.

Com efeito, se o Verbo Se faz carne, a ação comunicativa de Deus, em vez de deter-se aquém de sua tendência, preenche suas expectativas e atinge o limite de seu movimento natural. Deus não pode Se dar mais. Ele derrama seus dons sobre a natureza, e podemos reconhecer em cada um desses dons um vestígio de seu Ser infinito: comunica à nossa alma a luz da inteligência, e nela podemos admirar a marca de sua face adorável; entra mais profunda e intimamente em nós pela graça, mas a graça que nos faz viver de sua vida não é senão uma forma sobrenatural e criada; quer dar a Si mesmo na glória do Céu, mas não pode ser senão o objeto inteligível de nossa eterna contemplação.

Um Deus é homem, um homem é Deus!

Nada disso satisfaz sua tendência infinita de dar-Se, pois resta ainda um dom a fazer, o dom de Si mesmo, conforme seu Ser próprio, natural e pessoal, de tal modo que se possa dizer: um Deus é homem, um homem é
Deus. Este dom, Deus o quer, sua grande e generosa natureza seguirá sua inclinação e passará por todos os progressos da efusão.

Na matéria inerte, Ele soprará o espírito de vida e fará a criatura dotada de razão: está bem. Comunicará sua graça à criatura racional e a santificará: está muito bem. Fará a criatura santificada ver sua essência e lhe dará a
bem-aventurança: está perfeitamente bem. Por fim, unirá o seu Verbo à criatura racional, santa, bem-aventurada, e a fará Deus: é o cúmulo, aqui se esgotam as comunicações divinas.

Em segundo lugar, se o Verbo Se faz carne, as perfeições eternas, gravadas necessariamente em toda obra divina, manifestam-se com infinito esplendor. Temos lido nos inexprimíveis números da criação, na lei de progresso que rege a perfeição ascensional dos seres, na lei de penetração em virtude da qual eles se dão um ao outro, estas três palavras reveladoras: poder, sabedoria, amor; quanto mais nessa misteriosa criação que resulta da união íntima e pessoal do infinito com o finito!

Ato prodigioso que transporta o criado para o incriado

Mesmo querendo, em todos os instantes dos quais se compõe o círculo interminável da duração, multiplicar o número e aumentar a perfeição dos seres, Deus não pode produzir senão imagens reduzidas e longínquas de seu Ser e de sua perfeição. Por mais excelente que seja a criatura em sua essência, sublime em sua ação, radiosa em suas manifestações, ela permanece sempre a uma distância infinita do incriado. Não há números capazes de medir este abismo, nem fórmula que possa exprimir sua insondável profundidade.

Entretanto – oh maravilha de poder! -, o Verbo Se faz carne, preenchido está o abismo, os números estão superados, e o finito, chamado de repente pela força do alto, transpõe o espaço que o separa do infinito, deixa absorver esse “eu” que resiste à mortífera ação do tempo, às transformações tão frequentemente vitoriosas da matéria, às influências dominadoras dos outros “eu”, e vai procurar sua subsistência no infinito que lhe comunica sua grandeza, sua perfeição, sua própria vida. Criar bilhões de universos não passa de uma brincadeira, em comparação com o prodigioso ato que assim transporta o criado para o incriado.

Diversidade na unidade, sinal característico da sabedoria

Esse ato de poder é ordenado e dirigido pela eterna Sabedoria, cujas vistas ultrapassam, nesse mistério, todos os desígnios que temos admirado na sublime ordenação do universo, todos quantos poderíamos imaginar, todos quantos o próprio Deus poderia conceber para a ordenação das criações possíveis, que permanecerão eternamente irrealizadas nas profundezas de sua essência.

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Estudando a harmonia do mundo, reconhecestes já o sinal característico da sabedoria: a reconvocação da diversidade à unidade. Os números agrupados por forças centralizadoras; a progressão dos seres manobrada habilmente por similitudes que religam um ao outro os degraus da grande escada pela qual eles sobem rumo à perfeição; a imensa variedade das existências sujeita a leis simples que regulam sua composição e cadenciam seu movimento; a violência dos contrastes corrigida por imitações; as naturezas inferiores penetradas pelas superiores até serem resumidas num ser vivente, o homem, cuja natureza mista é a nota de apelo dos números da terra, o centro harmônico, o mundo resumido no qual se unem os dois polos da criação: a matéria e o espírito; tudo isso está expresso de modo admirável pela bela palavra universo, que dais à obra de Deus, nome pelo qual louvais a eterna Sabedoria, proclamando a unidade que é o fruto de sua ação dirigindo a ação da onipotência.

Sem decair, o infinito se abaixa rumo ao finito

Entretanto, por mais maravilhosa que seja, a unidade dos seres criados dá-lhe apenas uma perfeição limitada. Fica em presença o finito e o infinito, dualidade persistente, cujos eternos aumentos do finito jamais resultarão em unidade. Eis, porém, que o infinito, obedecendo aos desígnios da Sabedoria, se abaixa sem decair rumo ao finito, e estas duas disparidades, que sua natureza afasta eternamente uma da outra, não são mais que um só ser, um só vivente, uma só Pessoa.

O Verbo Se faz carne, e consuma-se a unidade de tudo quanto há no Céu e nos espaços. Todos os números são absorvidos no simples, todos os progressos são coroados pela suprema perfeição, todas as penetrações são finalizadas pela penetração divina; o Criador e a criatura, o finito e o infinito, sem perder nem misturar sua natureza, não têm mais senão uma só e mesma subsistência na Pessoa do Verbo Encarnado.

Como diz o Apóstolo, o Verbo, imagem do Deus invisível, é, pois, segundo os desígnios eternos, o Primogênito de toda a criação, porque em sua Encarnação a divina sabedoria quer a unidade de tudo. A este título, cabe-lhe ser o fundamento do universo. N’Ele foram criadas todas as coisas no Céu e na terra, as coisas visíveis e as invisíveis; os Principados e as Dominações, tudo se fundamenta n’Ele. Tudo foi criado por Ele e para Ele, n’Ele tudo repousa, tudo se mantém, porque aprouve a Deus dar-Lhe toda a plenitude (cf. Col 1, 15-19).

O amor só se satisfaz pela efusão do maior dos bens

Toda a plenitude! Como isto é verdadeiro, se consideramos com que arte se faz a unidade, de modo a não haver nada mais a desejar. Não é do Anjo que o Verbo vai tomar emprestada a natureza criada com a qual vai Se unir. O Anjo representa, decerto, a parte mais nobre do universo, mas não todo o universo. Todo o universo, é a natureza humana, filha, por sua alma, do mundo dos espíritos; condensação típica do mundo da matéria, por seu corpo, onde se encontram todos os elementos, todas as composições, todas as vidas. O Verbo Se faz carne, portanto, para melhor realizar este conselho da sabedoria divina: fazer de todas as coisas uma só coisa (cf. Ef 2, 14).

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Para isso Ele Se humilha, e pela humilhação Ele Se dá, suprema manifestação do amor. Dar-se não é o último recurso de quem ama, depois de ter esgotado todos os bens? O amor se antecipa às necessidades e aos desejos; o amor abre seus tesouros e os reparte com largueza; o amor prodigaliza ternas palavras, conselhos, encorajamentos, consolações, serviços devotados; o amor, desesperando-se de se fazer compreender, diz ao amado: “Ah, por ti eu daria minha vida!”

Nada mais resta a dizer, senão que o amor só se satisfaz pela efusão do maior dos bens. Mas a criatura, dando-se a si mesma, não pode dar mais do que algo de pouco valor, se comparado à imensidade de nossos desejos e às larguezas da divindade.

De seu seio aberto pelo amor, Deus fez cair em abundância todas as riquezas da criação. Vivemos de seus dons, somos nós mesmos o primeiro dom de sua bondade. Aos tesouros da natureza, acrescentou Ele os
tesouros da graça. Mas não havia ainda dado o bem supremo em pessoa. Ei-lo aqui! O Verbo Se faz carne. O mundo faminto abre os braços, abraça-se a Ele e exclama:

“Para mim o soberano bem! Emanuel! Deus está comigo!”

Por Pe. Jacques-Marie-Louis Monsabré, OP


(Excerto de Le plan de l’Incarnation. In: “Exposition du Dogme Catholique. Préparation de l’Incarnation. Carême 1877”. 11.ed. Paris: Lethielleux, 1905, t.V, p.6-15 )

(in “Revista Arautos do Evangelho”, 183, março 2017)

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