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A “clave”, a “clave elevada” e a restauração da transcendência

Redação (Quinta-feira, 14-09-2017, Gaudium Press) O Dr. Plinio Corrêa de Oliveira costumava falar de ‘clave’, algo assim como o prisma através do qual se vê a realidade. A realidade é a mesma para todos os homens mas a clave, muito pelo contrário, não.

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A clave é algo assim como os óculos que provêm da mentalidade de cada um, das ‘ideias mãe’ que dominam a cabeça de cada um. A mentalidade condiciona essas lentes chamadas ‘clave’.

Por exemplo, se faz parte da mentalidade de uma pessoa que tudo deve ser ‘prático’ e a ‘praticidade’ é uma espécie de dogma principal de sua ‘Fé’ – quer dizer, que tudo deve ser fácil de usar, fácil de entender, com ‘utilidade prática’ material, etc-, sua clave será uma clave ‘ultra-prática’, do ultra-prático.

A essa pessoa lhe encantarão coisas como o ‘fast-food’ porque é ‘prático’, lhe parecerá que a roupa tipo ‘fitness’ ou ‘running’ é a ideal pois é ‘prática’ (fácil de vestir, fácil de retirar, fácil de lavar, fácil de secar). Essa pessoa terá rejeições conscientes ou subconscientes a tudo o que ultrapasse essa praticidade, como por exemplo um traje elaborado, belo ainda que algo incômodo; lhe parecerá que esse traje humilha aos que não o portam ou algo assim, o criticará por não ser prático, por ser exagerado, por… qualquer desculpa, porque choca com sua clave, com sua mentalidade.

É claro que assim como os homens têm sua ‘clave’ própria, também os povos e inclusive as épocas históricas.

Por exemplo, qual era, a grosso modo, a clave do século XIX? Limitemo-nos à Europa, e digamos o que era do romanticismo racionalista, quer dizer, a partir de uma exaltação exagerada da ‘deusa-razão’ -em cujo ultra-lógico exercício o homem chegaria a libertar-se definitivamente dos fantasmas da ‘superstição’- um desejo de encontrar a felicidade perfeita aqui nesta terra na pessoa amada, naquele ou naquela que ‘me compreenderia’ inteiramente, ‘me amaria’ perfeitamente, ‘me consolaria’ quase-eternamente. Um racionalismo doce, chorão, meio fundamentalmente naturalista e auto-suficiente, com sobressaltos de idealismo rapidamente apagados por um egoísmo sem transcendência. É o anterior esboço de descrição dessa clave, não um esgotamento da matéria, porque também o século XIX teve coisas interessantes.

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Façamos uma tentativa de esboço para descrever o que seria a ‘clave’ da Igreja, o que realizamos de joelhos, pois sua ‘mentalidade’ não pode ser diferente da do seu Criador, Nosso Senhor Jesus Cristo.

É uma clave sacral, pois a Igreja é a ponte dourada que nos une com todo o sagrado e com a Pátria Celestial. Tudo nela tende à elevação, busca a elevação, pois o destino da Igreja é perfeito e sublime: no céu não haverá imperfeição, nem mancha. A clave da Igreja é a sublimidade, pois ela procura com todos os seus elementos apagar o pecado, e inclusive na esfera temporal faz de bárbaros outros filhos de Abraão, pré-habitantes do céu: foi a Igreja que dignificou a mulher, que no paganismo era pouco mais do que uma mera coisa. Foi a Igreja que dignificou a vida humana, toda vida humana, mas antes da Igreja os filhos eram material de possível descarte nas mãos de seus pais, os escravos eram objetos simples, etc., etc.

A Igreja transformou os costumes, elevou as maneiras, quase que criou a cultura, em todo nível: os camponeses da Europa cristã, bem distantes da simplicidade do ‘fast food’, tinham elementos de ‘grand-seigneurs’, os ‘pater-familias’ do povo eram fidalgos em potência. As casas populares eram mimos encantadores.

A clave da Igreja é uma clave elevada, é já uma clave meio celestial.

E a clave do mundo moderno? Em linhas gerais, é o contrário da clave da Igreja; é materialista, é intranscendente. É pouco elegante porque é pouco esforçada, é hedonista; é pouco ou nada caritativa porque a caridade exige o esforço da entrega generosa e o homem moderno não é generoso, é egoísta e individualista. É uma clave efêmera, descartável e portanto insegura, pouco firme, instável. É uma clave simples, monótona, porque ao buscar apenas os prazeres da carne e não as culminações do espírito, ficou reduzida a mera matéria, que é branda, fofa e pouco interessante. É uma clave que não compreende e inclusive rejeita o importante das cerimônias, do simbolismo. Os trajes deixaram de ser simbólicos, belos, porque, no fundo, a alma do que chamaríamos o homem moderno é tão ‘transparente’ que já não há o simbolizar. A clave do mundo moderno é uma clave bem aborrecida, e por isso os homens estão meio desesperados; acreditavam que no hedonismo, estava a felicidade e não se deram conta que cavavam seu profundo abismo de tristeza e tédio.

Temos que fazer o que o Dr. Plínio chamava de ‘elevar a clave’, o que se traduz hoje em quase queimar o que se adorou e adorar o que queimou. É um sair deste mundo para procurar outro, um mundo cujas linhas mestras, cuja mentalidade, ainda permanecem nas profundezas de muitos corações como um anseio daquilo que não conheceram mas que pressentem como se pressente o céu.

Um mundo onde as damas eram damas e senhores eram cavaleiros. Um mundo onde tudo falava de Deus, porque o homem em tudo buscava a Deus e queria refletir a Deus, que se fazia presente na arquitetura e nas diversas artes, nas relações humanas, na configuração das sociedades, particularmente na frequência aos sacramentos e à liturgia sagrada e bela da Igreja, que eram consideradas justamente como a verdadeira fonte da vida.

Elevar a clave é ver tudo com transcendência, é tentar viver como se estivesse vivendo já na Pátria Celestial. É adquirir a clave que, com a ajuda de Deus, teremos no céu, por toda a eternidade.

Por Saúl Castiblanco

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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