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Como se libertar da escravidão do pecado?

Redação (Terça-feira, 16-01-2018, Gaudium Press) Ao lermos a Sagrada Escritura, ou a vida dos Santos, sentimo-nos comovidos e alentados com aqueles episódios nos quais refulge a misericórdia de Deus para com os grandes pecadores, levando-os ao arrependimento e a uma radical mudança de vida.

Exemplo característico é a conversão de São Paulo, celebrada pela Igreja no dia 25 deste mês. Jovem fariseu dotado de impressionante dinamismo, Saulo de Tarso devastava a Igreja recém-nascida, invadia os lares cristãos e aprisionava seus moradores, homens e mulheres (cf. At 8, 3). “Só respirava ameaças e ¬morte contra os discípulos do Senhor” (At 9, 1).

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Caiu o inimigo, levantou-se Paulo

Transbordante de ódio, partiu para Damasco, com poderes para fazer o mesmo lá. Na etapa final da viagem, entretanto, teve um encontro que mudou instantaneamente o curso de sua vida. Cercado por uma luz resplandecente, caiu por terra e ouviu uma voz que o interpelava:
– Saulo, Saulo, por que Me persegues?
– Quem és tu, Senhor?
– Sou Jesus, a quem tu persegues.

Trêmulo e atônito, o até então perseguidor implacável só teve forças para perguntar:
– Senhor, que queres que eu faça?

Caíra Saulo, o inimigo, levantava-se Paulo, o discípulo apaixonado, instrumento escolhido por Cristo para pregar o seu nome “diante das nações, dos reis e dos filhos de Israel” (At 9, 15). Poucos dias depois, ele proclamava nas sinagogas de Damasco que Jesus é o Filho de Deus.

O que aconteceu quando Saulo jazia por terra? Aos olhos de sua alma resplandeceu a Luz, o próprio Filho de Deus. Ao brilho dessa Luz, ele viu a santidade daquilo que ele perseguia: a Santa Igreja, Corpo Místico de Cristo.

Afinal, a Luz brilhou em sua alma

Em outras grandes conversões, entretanto, Deus não manifesta de forma “fulminante”, por assim dizer, a onipotência da graça divina. Pelo contrário, parece comprazer-Se em avançar por etapas, superando uma a uma as sucessivas barreiras interpostas pela maldade ou pela fraqueza humana.

Tal é o caso de Santo Agostinho. Quantos vaivéns, quantas preces e lágrimas de sua mãe, Santa Mônica, quantos argumentos de Santo Ambrósio para conduzir às verdades da Fé aquela inteligência cheia de preconceitos! Mas, afinal, a Luz brilhou em sua alma.

E ele narra como não conseguiu resistir ao fulgor dessa Luz: “Tu brilhaste, resplandeceste e curaste a minha cegueira”.

Há na literatura católica relatos de milhares de conversões não menos admiráveis do que essas duas. Sob certo ponto de vista, mais alentadoras até, por se tratar de personagens anônimas que Deus, por pura misericórdia, arrancou dos detestáveis pantanais do pecado.

Uma mulher reduzida à pior das escravidões

Um destes é especialmente ilustrativo da verdade expressa pelo Divino Redentor: “Todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo” (Jo 8, 34). Ou seja, torna-se escravo do demônio, como afirma o Espírito Santo, pela pena do Apóstolo Virgem: “Aquele que peca é do demônio” (I Jo 3, 8).

É o caso de uma senhora da cidade italiana de Parma, narrado pelo sacerdote jesuíta Virgilio Cepari em sua conhecida Vida de São Luís Gonzaga.2 O autor não menciona a data do milagroso fato, mas calcula-se que ocorreu bem no início do século XVII, pouco depois da beatificação do padroeiro da juventude. Também não informa o nome da pecadora convertida: ela entrou na História apenas como um florão da coroa de São Luís Gonzaga, por cuja intercessão foi libertada da mais terrível das escravidões.

Segundo relata o Pe. Cepari, uma senhora casada dessa cidade, ufana de sua juventude e de sua beleza, caiu em adultério e se afeiçoou ao amásio a ponto de contrair ódio ao próprio marido. Vivia há cinco anos nessa situação, quando na cidade foi exposta pela primeira vez à veneração pública uma imagem de Luís Gonzaga.3 Nessa ocasião, o padre jesuíta Valmarana exaltou com um tão fervoroso panegírico a virtude da castidade, que ressoavam soluços na igreja e se marejavam de lágrimas os olhos dos assistentes.

Entre estes se encontrava a jovem adúltera. Fortemente comovida, ela procurou o sacerdote e, aos prantos, expôs-lhe o triste estado de sua alma. Acrescentou, porém, estar de tal forma dominada pela paixão que não tinha forças para romper a relação pecaminosa com seu amásio.

O pecado a tinha reduzido à pior das escravidões.

“Recorramos ao auxílio divino”

Durante vários dias, empenhou-se o Pe. Valmarana em reconduzi-la ao bom caminho. Constatando, porém, a inutilidade de seus esforços, disse-lhe por fim:

– Minha filha, não vejo solução humana para teu caso. Recorramos, então, ao auxílio divino. Basta-te ter grande fé no Beato Luís Gonzaga, o jovem que progrediu na virtude da castidade a ponto de ver-se livre dos maus estímulos de nossa natureza decaída. Vai ao seu altar e lá, de joelhos, pede-lhe que arranque de tua alma essa vil paixão. E se te parecer bem, faze o voto de jejuar na vigília de sua festa e oferecer-lhe um coração de prata. Assim agindo, obterás a graça.

Ela obedeceu e pôs-se a invocar o auxílio do santo protetor da virtude angélica. Não muito tempo depois, levantou-se totalmente transformada: sentia profunda repugnância por seu companheiro de pecados, sua simples lembrança lhe causava sumo desagrado.

Cumpriu o voto feito, e não recaiu no pecado.

O que aconteceu realmente naqueles poucos minutos de oração? O mesmo que nos demais casos de conversão: em determinado momento, a Luz resplandeceu em sua alma. O que viu ela na claridade dessa Luz? Muito provavelmente, viu a pulcritude da castidade e a suprema fealdade do lodaçal no qual se afundara.

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Autenticidade do seu arrependimento

Seu companheiro de pecados, porém, continuava escravo do demônio, e não cessava de atormentá-la, por meio de cartas, recados, presentes e chantagens. Seguindo-a pelas ruas, ameaçava ¬expô-la a uma situação vexatória, até mesmo a denunciá-la ao seu marido, o qual certamente a mataria.

Ela, porém, desdenhou seus presentes, cartas e ameaças. Foi além: declarou que, em reparação por seus pecados, ficaria contentíssima de ser exposta à vergonha, não só diante de seu marido, mas do mundo inteiro, e receberia de boa vontade a morte.

E demonstrou por atos a autenticidade de sua conversão: penitenciava-se com açoites, cilícios, jejuns; pelo grande desejo de sofrer, teria ela mesma se acusado ao marido e parentes, se o confessor não lhe tivesse proibido.

Tendo começado nesse ínterim um ano jubilar, ela fez a confissão geral de toda a sua vida e rogou ao confessor que celebrasse uma Missa em honra de São Luís, ao qual pedia a graça de morrer com essas boas disposições. Sua súplica foi atendida: logo depois de ser celebrada a Missa, ela enfermou-se e em uma semana partiu desta vida. Durante sua curta enfermidade, repetia jubilosa: “O Bem-aventurado Luís obteve-me mais esta graça, morrerei e não pecarei mais”. Quis ter sempre frente ao leito a imagem, e ao colo a relíquia de Luís. Antes de falecer, chamou seu marido, sua mãe e demais familiares, aos quais pediu com humildade perdão por todas as suas faltas.

Durante o velório, realizado na igreja, ocorreu um impressionante prodígio. Os parentes e conhecidos, como era costume, osculavam a cruz do rosário e as mãos da falecida como despedida. O infeliz adúltero, movido por louca paixão, quis oscular o rosto dela. Ao aproximar seus lábios do corpo, a defunta cuspiu grande quantidade de sangue putrefato, retirando-se o homem aterrorizado e confuso. Permitiu, assim, a Divina Providência que ficasse manifesto o quanto aquela mulher havia se convertido, abominando o pecado.

Deus nos pede muito pouco…

Quantos milhões de homens e mulheres se encontram hoje em situação semelhante à desta adúltera, à qual parecia impossível libertar-se da escravidão das paixões? No entanto, este, como, aliás, tantos outros fatos da História, nos demonstra uma vez mais que não há em nossa vida circunstâncias aflitivas que não possam ser remediadas pelo poder da graça de Deus.

Para acorrer em nosso auxílio, Ele nos pede tão pouco! Apenas o ato de fé proveniente de um coração arrependido e humilhado; não, portanto, do trapaceiro que procura camuflar ou justificar o seu vício, mas do homem que, com humildade e retidão de alma, se ajoelha e reza, esperando d’Ele o que jamais poderá obter por seus próprios esforços. “Não desprezareis, Senhor, um coração contrito e humilhado” (Sl 50, 19).

Portanto, se alguém se sente pobre de virtudes ou, pior ainda, atolado no vício, não se desespere. Pelo contrário, aproxime-se da Mãe de Deus, cheio de confiança. Ela é a Mãe de Misericórdia, sempre disposta a atender às súplicas de qualquer pecador, por mais miserável que seja.

 

Por Pe. Ramón Ángel Pereira Veiga, EP
(in “Revista Arautos do Evangelho”, n. 193, janeiro 2018)

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1 SANTO AGOSTINHO. Confissões. L.X, c.27, n.38.
2 Cf. CEPARI, SJ, Virgilio. Della vita di San Luigi Gonzaga. Roma: Forense, 1862, p.417-419.
3 São Luís Gonzaga foi beatificado por Paulo V em outubro de 1605, quatorze anos depois do seu falecimento. Em 1726, o Papa Bento XIII o inscreveu no catálogo dos Santos.

 

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