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Bondade, doçura e respeito aveludados

Redação (Quinta-feira, 14-02-2019, Gaudium Press) Um filho pode fazer comentários sobre sua mãe, é lícito.
Ele deve fazer estes comentários se eles apontam para virtudes que podem edificar os leitores.
E esse é bem o caso dos comentários que Plínio Corrêa de Oliveira faz a propósito de sua progenitora Dona Lucília.
Publicamos aqui, com subtítulos nossos, alguns comentários que o filho fez sobre sua mãe durante uma reunião para jovens:

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“No centro e no ápice da afetividade de mamãe, da bondade e de todo seu modo de ser, havia a devoção dela ao Sagrado Coração de Jesus e, naturalmente, a Nossa Senhora também. Muitas e muitas vezes me impressionou vê-la rezar diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus que havia em seu oratório, e considerar a relação existente entre ela e aquela imagem.

Transparência do divino no humano

Notava-se que a alma de Dona Lucília era ansiosa de encontrar aquele termo do afeto dela. Quer dizer, mamãe era configurada de tal maneira pela graça e por algo da natureza, que se ela não conhecesse o Sagrado Coração de Jesus, ela O procuraria. E encontrando-O, ela O identificaria como sendo aquilo que procurou. E aquilo tomaria a alma dela inteiramente, como tendo sido criada para isso. Suposto, é claro, que ela fosse sempre fiel.

Assim, ela era, sob vários aspectos, o espelho do Sagrado Coração de Jesus para mim. E encontrava nela o que eu adorava n’Ele, o que estava na Igreja do Sagrado Coração de Jesus e que eu via estar na Igreja Católica. Muito cedo, graças a Nossa Senhora, meus olhos se abriram para a Santa Igreja, e com grande entusiasmo. Portanto, o elemento determinante foi a minha fé na Igreja Católica.
O amor de filho tinha entrado muito, e continuou sempre, mas o determinante foi isto: a Igreja é infalível, santa, verdadeira e ensina que isso deve ser assim. Logo, a respeito de tudo quanto me leva a crer que isso é assim, tenho aquela certeza necessária pelo fato de ver na Igreja Católica.

Nessa adoração a Nosso Senhor e nessa veneração a Nossa Senhora, o objeto de nossa sensibilidade, de nossa afetividade fica elevado a alguma coisa que não está fora do âmbito humano. Ele é o Homem-Deus e, na unidade de Pessoa d’Ele, possuía duas naturezas: a humana e a divina. E nós conhecemos a natureza divina, em larga medida, através da humana. De maneira que não estava desterrado do humano, como, por exemplo, se estou olhando para o Sol através de um vitral, não me encontro desterrado de dentro da catedral. Eu estou vendo o Sol através do vitral.

Essa transparência do divino no humano eleva e desperta na afetividade humana possibilidades e modalidades que ela não teria se não fosse isso.

Lumen sobrenatural

De maneira que ao amar seres de uma tão alta categoria, algo de muito elevado se desperta em nós e passa a viver em nossas almas. Começamos a pedir coisas que antigamente não pedíamos antes de darmos esse passo. E, portanto, a procurar também nos outros, no convívio comum, algo do que vimos n’Ele, n’Ela e na Igreja Católica.

Surge aí uma coisa sobre a qual fico incerto, indeciso, mas que mais ou menos pode apresentar-se do seguinte modo: quem viu Nosso Senhor e Nossa Senhora assim, de algum modo ganhou um discernimento dos espíritos, ao menos para certo efeito. Porque não é possível considerar o Redentor sem ser pelo sobre ao Padrão dos padrões, e sim enquanto um homem em quem acharam graça e de quem gostaram. Isso não torna essas pessoas apetecíveis a mim, pois conheci outro valor muito maior, não tem comparação!

Outro afeto é aquele que nasce quando percebemos – mais em uns, menos em outros – o que seriam se também eles se deixassem tocar pelo mesmo amor. E começamos a querê-los bem não pelo que são, mas pelo que poderiam ser. De maneira que, por amor a eles, mas principalmente por amor a esse lumen sobrenatural que se acende neles, suportamos qualquer coisa, com paciência. E os amamos com um amor, o qual é uma participação do amor que se tem ao foco desse lumen, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, e ao canal necessário desse lumen por vontade de Deus, Nossa Senhora.

Luta de amor

Por causa disso, toda a nossa vida afetiva toma um caráter de salvação religiosa para efeito de conseguir que o outro se eleve, e nada mais do que isso. Donde o nosso convívio acaba sendo, em última análise, um contínuo convite para que o outro seja melhor.

Entretanto, isso não é uma coisa impessoal. Queremos bem a determinadas pessoas por causa da possibilidade que elas têm de se assemelharem de tal maneira ao Divino Salvador. São “rascunhos” de Nosso Senhor Jesus Cristo que amamos na medida em que o rascunho é melhorável, adaptável e que pode chegar a um certo resultado.

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Pode acontecer encontrarmos uma pessoa que odeie isso. Há graus de ódio em que, embora não se possa dizer propriamente que a pessoa esteja condenada, segundo as vias normais da graça ela estaria perdida. E nela nada disso reluz. Aí nasce a incompatibilidade e a batalha inexorável – também levada por esse amor – contra quem está perdendo almas. Não só, nem principalmente, no sentido de que a pessoa está levando almas para as dores infinitas do Inferno, mas porque ela está extinguindo aquela luz na alma de outro.

É uma espécie de deicídio que é feito. E esse “deicídio” leva-nos, então, à luta.

E daí esta luta ser, de algum modo, dulcíssima, porque é uma luta de amor. Porque mesmo quando ataca aquele que está se diferenciando, ela tem por efeito aproximá-lo. Investe contra o mal que está nele como o médico ataca o câncer que se encontra dentro do doente. Quer dizer, é para salvar o enfermo. E, debruçado sobre o doente, perguntando: “Você não sara?!” É este o sentido do combate.

O mais entranhado e generoso grau de amor

Há, às vezes, almas que fazem Nossa Senhora esperar. No Purgatório terá de haver acerto de contas sobre isso, mas para efeito da salvação Ela tolera, muitas vezes, a demora dessas almas. E quer que as resgatemos, obtenhamos-lhes o perdão, esperando, também nós, por elas. E se eu espero vinte anos que alguém se emende, estou ajudando-o a conseguir a emenda.

Daí nasce um afeto feito de alegria e de esperança, que contém em si um grau de amizade, de paciência, de perdão e, muito mais do que isso, um grau de intercompreensão, desde que a pessoa me compreenda também. Ela representa um aspecto de Nosso Senhor, e eu outro. É Jesus Se amando a Si próprio nos seus vários aspectos, no interior de nossas almas.

Uma pessoa que chegasse a amar os vários aspectos de si própria, refletidos em seres distintos, possuiria o grau mais entranhado e mais generoso de amor que há. Por exemplo, um pai que tem muitos filhos: ele se sente retratado por cada um deles em sua personalidade, de algum modo. Vendo-os em torno da mesa, comendo com ele, ele tem um amor a esses filhos que não pode ser descrito adequadamente nos graus diversos, pela linguagem comum. Eu nem sei se a linguagem sabe descrever isso. Porque as expressões muito legítimas, muito boas, no fundo não querem dizer isto inteiramente. E quando não está dito isto inteiramente, não está dito quase nada.

Por exemplo, “meus filhos queridos” é uma expressão boa. Mas pode designar tanta outra coisa inferior a isso de que estamos falando!
Então, só mesmo formas de convívio de alma que se cifram nos imponderáveis, mas que são o mais real da vida, exprimem isso.

Tenho pena das pessoas que não têm isso dentro da alma porque esta é um deserto na vida, uma tristeza, uma axiologia quebrada, da qual nem sei o que dizer. E que deve constituir horas de furor, de depressão, de suscetibilidades, enfim, equívocos e erros de todo tamanho, e que tiram o sossego da alma completamente.

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Discernimento dos espíritos

Mamãe teve muitas decepções. E esperou até o fim da vida dela, mas sempre com paz, porque estava presente essa noção religiosa por detrás. O que havia de característico no afeto de Dona Lucília era algo de nativo, de super acrescentado pela graça e modelado pela vida. No trato com as pessoas, ela manifestava uma compreensão muito profunda daquele com quem ela tratava. Era um discernimento dos espíritos pelo qual ela compreendia perfeitamente o lado por onde a pessoa seria boa, e amava muito.

Depois, de outro lado, ela compreendia muito o por onde a pessoa sofria. Ainda que não parecesse uma pessoa sofredora, esse conhecimento do sofrimento dos outros era muito profundo nela, com um reservatório indefinido de disposições de alma aplicadas a cada sofrimento. E já de antemão acompanhado do perdão eventualmente necessário e ao longo de um caminho por onde não se sabe até onde ia.

Por detrás disso havia qualquer coisa de aveludado na alma dela; uma bondade e uma doçura aveludadas. Ao menos era minha impressão.

Então, uma pergunta qualquer: “Você quer água, meu filho?” Conforme a ocasião em que fosse dita, poderia trazer isso. E o timbre, a inflexão de voz, a impostação do olhar, a maneira do trato, etc., tinha isso às grosas. Acompanhado de uma coisa curiosa que é o seguinte: um respeito por todo mundo. Qualquer um que retamente quisesse olhá-la e analisá-la, se sentiria respeitado. Eu nunca a vi faltar com o respeito à criatura mais insignificante como à mais extraordinária.

Era, também, por sua vez, um respeito afetuoso, um respeito aveludado, que implicava num contentamento em que o outro tivesse tal coisa para se respeitar. A alegria de respeitar, de homenagear, ou de ter compaixão porque o outro não tinha nada, não era nada, tudo isso tinha uma espécie de “veludo” especial na alma dela que eu não encontro outra expressão para designar, e que a tornava imensamente atraente para mim.

Por Plínio Corrêa de Oliveira

(in “Revista Dr. Plinio”, Janeiro/2015)

 

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