Gaudium news > Artigo: “És toda bela, ó minha amada, e não tens um só defeito” (I Parte)

Artigo: “És toda bela, ó minha amada, e não tens um só defeito” (I Parte)

 

Dentre os inúmeros privilégios de Maria Santíssima, encontra-se o de ter sido concebida sem pecado algum. Vejamos como desde os primórdios da Igreja os fieis sustentaram esta verdade que foi proclamada como dogma pelo Romano Pontífice, em 1854.

 

No livro Cânticos dos Cânticos encontramos uma descrição que a liturgia aplica à Imaculada Conceição de Nossa Senhora: “És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito” (Ct 4,7). É a partir de Jesus Cristo que devemos analisar esta afirmação, pois foi tendo em vista a Encarnação e Nascimento do Verbo, que o próprio Deus criou para si um tabernáculo que fosse digno de ser sua habitação.

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Na oração do Pequeno Ofício da Imaculada Conceição encontramos uma comparação que coloca a Santíssima Virgem em destaque entre todos os seres criados: Lírio entre espinhos(1), o lírio em sua alvura e encanto é Maria em relação às demais criaturas.

A maternidade divina

Tendo-se Encarnado para nascer neste mundo, o Verbo realizou este nascimento de modo totalmente miraculoso e acima de toda compreensão racional. Sendo Todo Poderoso utilizou de sua divindade para atuar sobre as regras da natureza por Ele mesmo criadas: Maria concebeu pelo “poder do Altíssimo” (Lc 1,35); aqui já encontramos um paradoxo, permanecendo virgem Ela tornou-se Mãe.

Dentre todos os seres humanos, Maria foi a única que gozou da Maternidade Divina, por esta razão foi preservada do pecado original e cumulada de uma série de dons e virtudes, infundidas por Deus em vista do pleno cumprimento de sua missão de Mãe e tutora do Divino Infante. Entre estes dons, o mais singular foi de ser concebida sem o pecado original. Este é o mais brilhante dos fulgores de Maria Santíssima.

Como afirma Bonnefoy “grande número de pessoas quiseram deduzir a Concepção Imaculada pela sua missão de Co-redentora, e pelo privilégio da Maternidade Divina, ou por estas duas razões ao mesmo tempo”(2).

Ao analisar a Imaculada Conceição de Maria, apresentaremos um breve apanhado do desenvolvimento histórico desta devoção até a promulgação do dogma.

 

Breve recorrido histórico

O dogma da Imaculada Conceição foi desabrochando desde o século segundo, mas implicitamente, pois nos primórdios do cristianismo Maria era associada como nova Eva, da mesma forma que Cristo era tido como novo Adão. O pecado de Adão foi induzido por Eva, seria desta nova Eva que se iniciaria a vida para o novo Adão. A partir do quarto século, o principal objeto do culto mariano vem a ser a perspectiva de Maria cheia de graça, sem renunciar a ideia anterior.

Os Padres da Igreja tentaram explicar esta verdade, até que no século VII, apareceram alguns hinos que denominaram Maria de Imaculada Conceição, no século seguinte foi instituída a festa da Conceição de Maria no Oriente, a qual foi celebrada em diversos conventos.

No século XI, Santo Anselmo institui esta mesma festa na Inglaterra e por sua influência esta devoção alastrou-se pelas igrejas da Normandia. Por volta desta mesma época era recebida na França e, logo depois, no antigo Reino de Navarra.

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No período da Escolástica surgiram controvérsias, pois os grandes doutores da época, pela pouca exatidão das ideias e argumentos concernentes ao dogma, consideravam arriscada tal afirmação. Mesmo o Doutor Angélico diante de uma questão tão complexa hesitou em assentir uma confirmação, como afirma Guéranger: “São Tomás de Aquino levado ao tribunal para julgar tão grande questão, por sua elevada razão teológica, tem seu olhar assaz penetrante atrapalhado diante da contemplação de uma questão tão árdua; deixando esta terra sem ter esclarecido plenamente aos olhos da posteridade um sentimento definitivo”(3).

João Duns Scoto apresentou fortes argumentos para defesa do dogma, com isto os adeptos da Imaculada Conceição tomaram novo vigor.

Sem o pronunciamento oficial de Roma, o clero estava livre para julgar a questão. Para incentivar a devoção a Imaculada Conceição, o Papa Sisto IV publica, em 1476, a Constituição Cum praeexcelsa, aproveitando a ocasião para aprovar um novo Ofício e Missa da Imaculada compostos por Leonardo de Nogarolis. Pouco tempo depois publica também a Constituição Grave nimis (1483), na qual proibiu os pregadores da época de atacarem os defensores do dogma.

No Concílio de Trento (1546) foi promulgado o decreto que admite a universalidade do pecado original, no entanto, deixou expresso “que não é sua intenção incluir neste decreto, no qual o assunto é o pecado original, a bem-aventurada e imaculada virgem Maria, genitora de Deus, mas que se devem observar sobre este ponto as constituições do Papa Sisto IV, de feliz memória” (4).

No século XVII foram surgindo inúmeras corporações e sociedades, tanto religiosas como civis que adotaram por padroeira a Virgem da Imaculada Conceição. Digna de menção foi a atitude de D. João IV, Rei de Portugal que a proclamou padroeira de seus Reinos e Senhorios em 1648, mandando cunhar moedas de ouro e prata, chamadas Conceição. No reverso destas, aparecia a imagem da Senhora da Conceição sobre o globo e a meia lua, e a seu redor aparecia o sol, o espelho, o horto, a casa de ouro, a fonte selada e a Arca da Aliança, símbolos bíblicos da Virgem.

Em 1661 sai a lúmen a Bula Sollicitudo omnium Ecclesarum do Papa Alexandre VII, onde renova vigorosamente os decretos antes promulgados sobre a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Devido ao apoio das escolas a devoção à Imaculada Conceição se espalhava por todos os católicos e como afirma Santo Afonso: “Realmente as Academias de Sorbona, de Alcalá, de Salamanca, de Coimbra, de Colônia, de Mogúncia, de Nápoles e muitas outras a defendem com ardor. Nelas o bacharelando laureado compromete-se sob juramento a defender a Imaculada Conceição” (5).

 

Marcelo Rezende

1 Expressão encontrada na Hora Vésperas, retirata do livro Cântico dos Cânticos: « Como o lírio entre os espinhos, és tu, minha amiga entre as filhas » (Ct 2,2).
2 BONNEFOY, Jean-François O.F.M. Le mystère de Marie selon Protévangile et l’Apocalypse. Paris: Libraire Philossophique J. Vrin , 1949, p.139.
3 GUÉRANGER, Dom Prosper. Mémoire sur la question de la l’immaculée Conception de la très Sainte Vierge. Paris : Julien, Lanier et Cie, 1850, p. 19.
4 DENZIGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2007, N. 1516.
5 LIGÓRIO, S. Afonso Maria. Glórias de Maria. 10 ed. Aparecida: Santuário, 1994, p. 253

 

 

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