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Artigo: O embaixador de Deus junto às flores

 

Era uma tarde quente de verão. Após um suculento e farto almoço de domingo, enquanto alguns se dirigiam aos seus aposentos para a tão reconfortante sesta, resolvemos rezar o Rosário no amplo jardim de nossa sede localizada na serra da Cantareira.

Entretanto, naquela tarde, a natureza inteira parecia querer também cumprir o preceito do descanso dominical. Nenhum canto de pássaro, nem mesmo o mais leve movimento das folhas das árvores se fazia sentir.

Somente o astro rei, com mais ira que bondade, é que insistia em mostrar todo o esplendor de sua majestade. Parecia querer a todo custo, despertar aquela natureza envolta no torpor vespertino.

Como o clima se fazia pouco propício às longas caminhadas, decidimos parar à sombra de uma frondosa árvore de onde se podia contemplar um vasto panorama. Todo aquele ambiente nos convidava à prece e a meditação. Porém, mal havíamos recitado as primeiras Ave-Marias do Rosário, e um zumbido como de uma flecha voando por entre as árvores desviou-nos a atenção.

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Ao levantarmos os olhos, vimos um pequeno pássaro, ágil como um pensamento, que cortava o ar com manobras inesperadas, desenhando lindas coreografias naquele imenso céu azul. Suas asas, de tão rápidas, tornavam-se quase invisíveis. Tal era a sua beleza que, a nosso ver, esta ave parecia ter fugido por alguma brecha da porta do paraíso para vir habitar em nosso meio.

De repente, de forma encantadora e vivaz, parecendo perceber nossa admiração, pousou num fino galho de árvore e deixou-se contemplar… Logo percebemos que se tratava de um colibri, uma verdadeira pedra preciosa revestida de asas.

Bem naquele instante os raios do sol incidiram sobre ele e, ao mais leve movimento, suas penas iam mudando de tonalidade, percorrendo as variadas cores do arco-íris. Ora se apresentavam de um verde esmeralda que extasiava. Ora, de seu elegante pescoço, cintilava um azul tão brilhante como um topázio. Pouco depois, das extremidades de sua pequena cauda podia-se contemplar um vermelho rutilante como um rubi…

Porém, como muito lhe custa a imobilidade, logo abandonou o tênue galho em que pousara e voou rapidamente na direção de algumas flores silvestres. Certamente atraído pela beleza de suas cores, bem como pelo agradável perfume que elas exalavam.

Após esta demonstração de agilidade e esplendor, o colibri se dispôs agora a apresentar seu talento de “ave de salão”. Aquele pássaro, como se estivesse num baile da corte de algum faustoso rei, começou a repetir inúmeras vezes um “cerimonial” que consistia em aproximar-se suavemente de cada uma das flores “cumprimentando-as”.

Parava rapidamente diante delas, emitindo um suave som à maneira de quem sussurra uma confidência, e em seguida, com seu afilado bico, ia osculando uma por uma. As flores, rendidas de admiração por quem lhes superava em brilho e cor, se deixavam oscular. Estas mesmas flores retribuíam a gentileza proporcionando-lhe um seu suave e delicioso néctar. E o colibri, sem dar-se por vencido em matéria de delicadeza e bom trato, se despedia voando para trás, sem dar as costas à bela e perfumada flor que acabava de oscular.

Neste instante, nos veio à mente o sermão pronunciado pelo Mons. João na manhã daquele domingo:”Deus enriqueceu todo o universo com uma imensa e harmoniosa diversidade de seres e que o melhor modo de conhecermos a beleza do Criador é admirar a Pulchritude do universo por Ele criado”.

Desta forma, aplicando tais palavras à cena que acabávamos de contemplar, bem poderíamos dizer que aquela graciosa ave foi criada por Deus para admirar o belo colorido da criação e, como “o amor torna o amante semelhante ao amado”, não seria ousado afirmar que o colibri de tanto amar as flores, transformou-se numa rosa alada…

O desejo de relacionar-se…
Via-se também naquele pequeno animal, um desejo imenso de relacionar-se, de entrar em contato. E, se por absurdo, aquelas flores pudessem padecer desta “doença moderna” chamada solidão, ali estaria o colibri, qual embaixador de Deus junto às solitárias flores da mata, para “sussurrar em seu ouvido” que o Deus Criador de todas as coisas é que lhes tinha dado o perfume, o colorido e o charme; e que Ele não esquece nem mesmo a menor das plantas silvestres, mas que as ama e as sustenta.

Também, se grande é o desejo do colibri de encontrar a flor, infinitamente maior é o desejo Deus de entrar em contato conosco. Ele se fez homem como nós e veio habitar em nosso meio. Um dia, os seus lábios divinos pronunciaram estas palavras: “A minha alegria é estar junto aos filhos dos homens”. Sendo assim, nossa alma deveria estar também repleta desta mesma alegria de conviver, de estar junto a Deus que também se faz visível através de suas criaturas.

Não foi o próprio Deus, que no jardim da criação contemplou uma flor e fez dela a sua obra prima? Esta flor chamada Maria, a Rosa Mística, que na sua vida exalou o mais suave odor de santidade, e que um dia o Verbo Eterno se fez pequenino para estar nos braços desta Rosa, e dirigir a ela o seu primeiro olhar e o seu primeiro ósculo?

Contemplar as realidades da criação é viver a oração…
Quando ainda estávamos absortos nestas considerações, o sino da capela tocou nos convidando à oração. Porém, aquele pequeno visitante, assustado com este timbre que lhe era desconhecido, voou para longe, onde nossos olhos não mais podiam contemplá-lo. Agora, pouco tempo restava para fazermos a nós mesmos uma última indagação.
Será que não perdemos tempo em analisar esta ave junto à flor? Não teria sido melhor termos cumprido primeiramente o propósito de rezar Rosário? Por que não aproveitamos este tempo para “fazer as coisas práticas” de que o homem moderno tanto se ufana?

Quanto à conclusão, esta tendeu para a negativa, pois segundo o Catecismo da Igreja Católica: “é sobretudo a partir das realidades da criação que se vive a oração” (CIC 2569). Convém lembrar também a bela frase de Santa Teresa do Menino Jesus: “para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um brado de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”.

Enfim, alguém poderia objetar que estes comentários nada possuem de “científico” e que carecem de maiores conhecimentos de zoologia e botânica. Isto é verdade, entretanto, o homem não foi criado para ver a natureza como se ela fosse somente um imenso conglomerado de fenômenos físicos ou de reações químicas, mas sim, para procurar as impressões digitais de Deus no universo e fazer destas impressões uma prece “a Quem fez o céu e a terra”.

Agora, já na capela diante do Santíssimo Sacramento a rezar o Santo Rosário, ainda estávamos inundados de uma alegria interior, pois aquela “oração” junto à flor e ao colibri, assegurou-nos que “a solidão é uma ilusão”, pois Deus sempre está conosco e que a natureza nada mais é do que um grande livro que nos remete ao sobrenatural. Entretanto, é necessário que se saiba lê-lo.

E se porventura os céus da Judeia fossem também habitados por estas encantadoras aves, quiçá, o Poeta Divino, depois de ter contemplado os lírios do campo, bem poderia ter dito: “olhai os colibris que voam no céu, eles não tecem e nem fiam, entretanto eu vos digo, nem Salomão com toda a sua pompa se vestiu tão bem…”

Inácio Almeida

 

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