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O holocausto: a supremacia do amor

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Sagrado Coração de Jesus

“Vendo Jesus que chegara Sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado aos seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Profundo mistério nos narra o Teólogo em seu Evangelho. Como pode um Deus que é infinito “amar até o fim” criaturas finitas, entre as quais muitas Lhe seriam ingratas e desejariam Seu aniquilamento?

Pertencendo o amor a uma potência apetitiva, este se relaciona com o objeto amado por meio de um movimento que busca a bondade ou conformidade do apetite com o objeto conveniente. Onde seu intento próprio é o bem ou a complacência do amante no amado, donde surge certa conaturalidade entre estes, podendo ser afirmado que “o bem é a causa própria do amor” (S.T. l-Il, q27, al). Assim, a vontade, que governa todas as demais faculdades do espírito humano, é governada por seu amor (SALES, 1946).

Entretanto, o amor requer uma captação do bem amado, pois o bem não é a causa do apetite senão enquanto apreendido. Desta forma, ninguém ama o que não conhece (S.T. l-Il, q. 27, a.1).

Com efeito, ao se deparar com algo semelhante a si próprio ou com seu ideal, o apetite tende a desejar o bem como a si mesmo (S.T. l-Il, q. 27, a.1).

Donde desses três fatores: bondade, conhecimento e semelhança, nasce o amor, o qual impregna todo os movimentos da vontade, pois todos agem por um fim e este, por sua vez, sempre é selado por um amor (S.T. I-li, q.28, a.6).

Logo, a vontade tem uma conveniência estreita com o bem. Esta conveniência, a seu lado, produz a complacência que a vontade sente quando adverte a presença do bem, movendo e impelindo a vontade em direção a este. E neste movimento a vontade, movida e inclinada à união, busca todos os meios que requer para chegar a ela. A verdadeira essência do amor consiste no movimento e vôo do coração, que segue imediatamente a complacência e termina na união. “Em outras palavras, a complacência é o despertar do coração, e o amor é a ação” (SALES, 1996, p.9).

Portanto, a conveniência do amante com o amado é a primeira fonte de amor e consiste na correspondência, a qual não é outra coisa que a mútua relação que torna as coisas aptas para unir-se e comunicar alguma perfeição.

Tendo sido comprovado que o primeiro ato da faculdade apetitiva é o amor, podemos concluir que, possuindo Deus vontade, conseqüentemente n’Ele não há somente amor, mas é necessário afirmar que substancialmente “Deus é amor” (Jo 4, 16). 0 Amor de Deus é tão eloqüente que gera a Sua Palavra, donde desse amor tão íntimo e intenso entre Eles procede o Espírito de Amor. Desse circuito inflamante, que de si é difusivo, o Pai nos fala na alma por meio do Verbo e nós entendemos pelo sopro do Espírito Santo, que nos convida a unirmo-nos a Ele.

Entretanto, o modo de Deus amar se desenvolve de forma diferente do nosso, pois, Deus “cria e infunde bondade nas criaturas” (S.T. I, q. 20, a. 2), amando-as gratuitamente. Assim sendo, tudo o que existe possui alguma bondade infundida por Deus. Por conseguinte, quanto maior for esta analogia com Seu Autor, mais amada será (GARRIGOU-LAGRANGE, 1977). Por este motivo, exclama o Livro da Sabedoria: “Amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizestes, porque se tivesses odiado alguma coisa não a terias criado. Da mesma forma, como poderia alguma coisa subsistir se não a tivesses querido?” (Sab 11, 24-25).

Sendo Deus infinito, Ele distribui o Seu amor às criaturas das mais variadas formas, infundindo maior perfeição em algumas que serão, por sua vez, mais amadas. Entretanto, em relação ao ato de vontade, o amor de Deus é o mesmo para todas as criaturas, O que difere neste amor é o bem que se quer para as criaturas (ROYO MARIN, 1963).

Por este motivo, podemos afirmar que Cristo foi realmente o “Bem-amado” (Mt 3, 17) de Deus Pai. Ser mais perfeito que Nosso Senhor Jesus Cristo seria impossível. Daí o Pai colocar n’Ele todo o Seu comprazer (Lc 3, 22), desejando-Lhe a perfeição do amor: o holocausto. Um ato de amor que Lhe agrada mais do que desagradam todos os pecados juntos (ROYO MARIN, 1963).

O holocausto, que é a sublimação do amor, somente é possível quando o amante se impulsiona a dar, dar de si, dar-se por inteiro (CORREA DE OLIVEIRA, 27-05-67). Entrega esta tão perfeita que “a pessoa se dá toda, ela já não é unida com aquilo a que se deu, mas ela é um com o que se deu. Não é união, mas é unidade” (CORREA DE OLIVEIRA, 27-05-67). Do mesmo modo afirma São Tomás: “o amor é uma força que junta e unifica” (ROYO MARIN, 1963, p. 172).

Isso explica o Evangelho de São João, que nos diz que Deus “tendo amado os Seus, amou-os até o fim”. Ou seja, chegando à forma mais perfeita de amor, que é o holocausto, Nosso Senhor não se conteve e quis amá-los “até o fim”, querendo não unicamente Se entregar, senão formar uma unidade com os seus; não somente Se encarnando e morrendo, mas dando até a última gota de Seu Sangue (Jo 19,34). Ademais, quis perpetuar Seu convívio até o fim do mundo por meio da Eucaristia. Daí “os seus” referir-se não somente aos Apóstolos ou ao redil de Israel, mas também aos gentios (Jo 10,16) e a cada um de nós.

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O holocausto, que é a sublimação do amor

Com razão, São Tomás acentua que a morte de Nosso Senhor foi prova do amor divino, pois o Filho não só quis obedecer ao Pai, mas voluntariamente desejou Se entregar, donde a Redenção foi a maior epifania do amor de Deus. Assim sendo, “devemos fazer tudo por amor” (S.T. I-II, q.1 14, a.4).

Vemos em outra passagem, sobre o mesmo trecho, Nosso Senhor dizendo que desejou ardentemente comer essa Páscoa (Lc 22, 15). Ou seja, desde toda a eternidade o Filho esperava, com santa ânsia de se sacrificar, até o momento em que Ele, podendo dizer ao Pai “Eis que venho fazer com prazer a Vossa vontade, ó Senhor” (Hb 10, 5), se dirige “apressadamente” (Jo 12,3) ao local do Supremo Holocausto. Essa pressa, que nos narra o Evangelho, é sinal característico de quem já se entregou, pois quem ama não tem obstáculos e “senões” (CLA DIAS, Lumen Maris, 31-05-10), o único problema que se põe é realizar o quanto antes seu amor.

Mais ainda, “o amor que Nosso Senhor nos tem é humano e divino, inesgotável e cheio de matizes” (CLA DIAS, Homilia, 6-05-10). E Ele nos pede algo em reciprocidade: que permaneçamos n’Ele (Jo 15, 9), quer dizer, além do amor, Ele nos quer infundir a bondade que só Ele pode conferir, tornando-nos mais semelhantes a Ele. Não deseja somente um amor mútuo, mas anseia por um unum com a criatura amada, que se torna mais perfeito na medida em que se desdobra em holocausto (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1976), a exemplo do amor que Ele nos tem.

Por este motivo, na mesma ceia Nosso Senhor exorta os Apóstolos,repetindo insistentemente por doze vezes, a permanecerem em Seu amor (Jo 15,4).

O amor, sendo ato da vontade, embora esta seja espiritual, vacila muitas vezes, misturando-se ao sensível (SALES, 1996), porém, mais do que um amor humano, que tende à união de coração – como se vê nas Sagradas Escrituras, por exemplo, quando Jônatas amou a Davi como sua própria alma (lSm 18, 1) -, o amor unitivo de Deus é eficaz e cheio de benevolência, sempre estável em relação à vontade, deseja cada vez mais a união com as almas. Assim entendemos melhor apassagem de Jeremias (31,1): “com amor eterno te amei, por isso te tenho atraído a Mim, com a Minha misericórdia”.

Por estes motivos, peçamos este élan em relação à misericórdia divina, por meio d’Aquela que é via veritas do amor divino, onde mais amor e união com Deus seria impossível, que sempre nos mantenha unidos e amantes a Deus, para assim termos a certeza de um dia podermos estar totalmente ligados a esse vínculo de amor.

Por Fahima Akram Salah Spielmann.

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