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Os olhares que marcaram a história

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Deus ao criar o homem quis depositar nele um resumo de todo o universo. A fisionomia humana é a que mais apresenta esta pluralidade de aspectos, sendo a visão o mais nobre sentido. O olhar é a alma da fisionomia, de maneira que as demais expressões do rosto e até o timbre de voz são apenas um reflexo do olhar.

O olho humano não capta somente as realidades externas, mas apanha sobretudo as internas, como afirma o Professor Plinio Corrêa de Oliveira (1987,s.p.) ” Os olhos mais e melhor fotografam o íntimo dos homens que seu exterior. O Olhar fala tanto! É tão compreensível o olho humano! Ele, entretanto, participa da ‘beatitudo incomprehensibilitatis’ quando, não sabemos dizer como, em uma fisionomia percebemos uma certa reação”.

Como terá sido o olhar do próprio Verbo Encarnado que sendo verdadeiramente homem é também verdadeiramente Deus? “Deus cujo olhar sonda os rins e os corações” (Sl 7,10). Embora não seja possível conceber este olhar em toda a sua magnanimidade e extensão, é nos dado, ao menos, penetrar e vislumbrar certos aspectos do olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo no qual estão contidas todas as perfeições existentes na Ordem do Universo.

Em Seu nascimento, quando Ele abriu os olhos para este mundo e pôde constatar com seus olhos carnais as suas criaturas e mais, especialmente, Aquela na qual Ele mesmo encerrou uma síntese de todas as maravilhas do universo.” Os olhos do Menino se abriram e encontraram o olhar de Nossa Senhora, viram a face esplendorosa da Mãe, discerniram sua alma e seu Imaculado Coração. E então, podemos supor, o Divino Infante sorriu” ¹. O que imaginar desta primeira troca de olhares em que os dois se fitaram e, por assim dizer, se perderam um no olhar do outro?

Neste primeiro entreolhar, iniciou-se o eterno e incessante co-relacionamento entre Mãe e Filho.

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A partir de então, Nossa Senhora acompanhou o olhar de seu Divino Filho nas mais variadas circunstâncias e pôde penetrar cada vez mais neste Sacrossanto olhar, sumamente ordenado e todo feito de gradualidades. Olhar este que: “[…]quando fulgura é como um sol. Quando não, mostra-se sempre de um certo modo, semelhante ao que representa o barítono para a música vocal: nem muito alto nem muito baixo. Não é um olhar que sai de si para penetrar nos outros, a não ser raramente. Antes convida a que se entre nele, para entabular elevados colóquios conosco. Olhar muito sereno, aveludado[…] . No fundo, porém, revelando uma sabedoria, retidão, firmeza e força que nos enchem ao mesmo tempo de encanto e confiança. […], e os estados de alma d’ Ele correspondem a todas as belezas do mundo. […] (De maneira que) no conjunto dos olhares d’ Ele a ordem do Universo se reflete inteiramente.[…] numa palavra, o pulchrum e o significado interno de tudo quanto existe, estão contidos no olhar de Nosso Senhor”.²

Estando Nossa Senhora no momento auge de sua contemplação, depara-se com uma terrível prova após trinta anos de vida oculta, “Nosso Senhor, então, aproxima-se d´ela e, com veneração e carinho mais intensos, envolvendo-a com o olhar diz-Lhe: ‘ Minha Mãe chegou o momento, o meu caminho para a pregação, para a bondade, para maravilhar os homens e para ser crucificado por eles! Mãe, adeus!’ “³. Ele se retira e Ela permanece sozinha, os anjos começam a cantar para consolá-La, mas todas as maravilhas não valem um olhar do Filho d´Ela.

Ao iniciar essa nova etapa na vida de Nosso Senhor, encontramos uma série de olhares, que passaram para a História por meio dos Evangelhos.

Os apóstolos perplexos com as palavras de Nosso Senhor acerca da impossibilidade de um rico entrar no Reino dos Céus questionam Nosso Senhor. São Mateus descreve: […] fixando neles seu olhar, disse-lhes Jesus: O que para os homens é impossível, para Deus é possível” (Mt 19,26). Certamente, este olhar de Jesus foi repleto de bondade e afabilidade com o intuito de consolar os apóstolos e incutir-lhes confiança na onipotência de Deus.

Outro olhar do Salvador que tornou-se especialmente célebre, foi o olhar que Ele deitou sobre São Pedro: ” Voltando-se o Senhor fixou os olhos em Pedro; e Pedro recordou-se das palavras do Senhor quando lhe disse: ‘Hoje, antes de o galo cantar, irás negar-me três vezes'” (Lc 22,61). A São Pedro tinham sido entregues as chaves do Reino dos Céus, sobre ele, Jesus prometera edificar a Sua Igreja; ademais, entre os Doze Apóstolos foi ele quem se destacou por seu ardoroso amor pelo Mestre. Entretanto, nesse momento atroz, seu coração se endureceu e ele negou o Homem-Deus. O galo cantou, Jesus passou e o fitou. São Pedro caiu em si ” e, vindo fora, chorou amargamente” (Lc 22, 62), nesse instante, ele se sentiu tomado, por inteiro, por uma graça ímpar que reavivou em sua alma, de modo intenso e esplendoroso, tudo o que tinha conhecido da infinita bondade de Nosso Senhor. E essa lembrança venceu a sua ingratidão, a tal ponto que ele deixou de ser discípulo tíbio e transformou-se numa tocha de admiração” (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1999, p.21;2002,p.16).

Convém prestar atenção nos efeitos desse olhar, como ressalta Santo Agostinho: Pedro tinha necessidade do batismo de lágrimas para lavar o pecado de sua negação; mas, como podia obtê-lo se o senhor não o desse? Por isso, disse o Apóstolo Paulo quando advertia o povo sobre como deveria comportar-se com alguns que pensavam de modo diferente: ‘Corrigindo com suavidade os que pensavam diversamente, de modo que Deus lhe conceda a penitência”. Pois a penitência também é um dom de Deus. O coração do soberbo é uma terra dura; não se abranda para a penitência se não chover a graça de Deus (SANTO AGOSTINHO, Sermo 2290,1 apud CLÁ DIAS, 2010, p.2).

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Santo Ambrósio (Exposicíon sobre el Ev. De Lucas, 10-88, 1966, p.585, tradução nossa) amplia a análise a respeito dos efeitos do Divino Olhar de Jesus sobre São Pedro que produziu em sua alma tão perfeita compunção: ” Que as lágrimas lavem este pecado que não se atreve a confessar-se de viva voz! O pranto conduz ao perdão e à honra. As lágrimas confessam a culpa sem temor e reconhecem o crime sem o tormento da vergonha, as lágrimas não pedem perdão mas o obtém”. Oh felix culpa! A grande contrição de São Pedro constitui um dos mais belos fatos da história dos Santos.

Entretanto, nem todos quiseram se beneficiar com esses admiráveis olhares de Nosso Senhor durante a Sua Paixão; enquanto os algozes o esbofeteavam tiveram de Lhe vendar os olhos (Cf. Lc 22, 63-64), pois não suportaram o Divino olhar que os fitava. Outra ocasião em que o olhar do Salvador se revestiu de maior expressividade foi no Ecce Homo. Jesus, flagelado e coroado de espinhos, foi apresentado ao povo por Pilatos. Não proferiu nenhuma palavra mas permaneceu em um majestoso silêncio.

Poderíamos imaginar como, neste momento, os Seus olhos solicitavam um pouco de amor, um pouco de afeto, um pouco de pena e, para se consumarem as atrocidades humanas contra o Redentor, eles nada receberam…

São Jerônimo (apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, S.T. III q.44, a.3, ad I) comenta um outro aspecto do olhar de Nosso Senhor quando Este expulsa os vendilhões do templo:
Dentre todos os milagres que Cristo fez, este parece-me mais admirável: que um só homem, naquela época ainda desprezível, tenha podido, a golpes de um simples chicote, expulsar tão numerosa multidão. É que de Seus olhos irradiava como que um fogo celestial e em sua face brilhava a majestade da divindade.

A mais bela de todas as cenas da vida do Salvador e o momento culminante da história dos olhares em toda humanidade foi a última troca de olhares de Nosso Senhor antes de expirar. A esse respeito escreveu Monsenhor João Clá Dias (2010,p1):

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Penetrada de mistério, afeto e dor, deve ter sido o último olhar recíproco entre Jesus e Maria no Calvário. Mãe e Filho, Criador e a mais excelsa das criaturas, em meio ao mais alto relacionamento humano: um olhar feito de venerável sofrimento e adoração, a se entrecruzar com outro divinamente pervadido de ternura. Ali aos pés da Cruz, terminava a longa história da arquetipia dos olhares criados por Deus. Olhos que se contemplaram pela primeira vez em Belém e que, até o Calvário, não perderam jamais uma só oportunidade para crescerem em compreensão, amor e benquerença.

¹CORRÊA DE OLIVEIRA, 2008,p.28. (Arquivo IFTE).
²CORREÂ DE OLIVEIRA, 2004, p.18. (Arquivo IFTE).
³CORRÊA DE OLIVEIRA, 1985,sp. (Arquivo IFTE).

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