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Esses chocolates que vinham de Paris

Redação (Quinta-feira, 30-04-2015, Gaudium Press) Um querido amigo nos pediu que fossemos ao aeroporto no último domingo para buscá-lo. Diante de seu pedido, não pensamos duas vezes, apesar de que duas atraentes conferências de alguns dos mais reputados autores de ficção da atualidade iriam ocupar nossa tarde, em algo que nos havia figurado como um interessante e instrutivo passeio pela arte da escritura.Esses chocolates que vinham de Paris.jpg

Sem nenhum pesar, pois, nos dirigimos ao terminal, animados também porque o viajante provinha de um lugar que apesar dos pesares significa ainda para nós uma fábula, um sonho, uma poesia… Paris. Nosso amigo trazia os aromas de Paris.

‘Gentleman’ como é, em agradecimento pelo nosso gesto o amigo já havia disposto uma fina caixinha, que em um primeiro vislumbre e de relance tínhamos imaginado ser uma colônia, revelando-se depois um lindo pacote de nove dos mais finos chocolates do mundo, da chocolataria Marquise de Sevigné, no número 11 da Praça de la Madeleine… em Paris.

Temos de confessar que mais puderam o desejo que a devida temperança, e essa mesma noite, em companhia de um familiar, demos boa conta das delícias.

Ainda que em todo momento quisemos fazer de sua deleitação algo solene, na ingestão dos três primeiros cometemos um erro, que foi não ler a “carta de navegação” para a degustação de cada um dos chocolates. É bem verdade que nesses primeiros não deixamos de perceber que nos encontrávamos diante de um sabor realmente superior, possivelmente supremo, de uma supremacia que só é percebida quando se descobre e se penetra gradualmente na sutileza dos delicados e suavemente matizados sabores. Mas teria sido melhor que desde o início tivéssemos tropeçado com um indiscutível encontro: Na parte superior interna da caixa, que por certo estava recoberta de um belo dourado, havia um pequeno folheto explicando a composição de cada um dos ricos chocolates da marquesa de Sevigné.

“Praliné [que é uma pasta de amêndoa confeitada em açúcar caramelizado], com pedaços de crepe e cobertura de chocolate negro”, era a descrição do primeiro, o que vinha envolto no papel dourado no qual se estampava o perfil da marquesa; “Praliné de avelãs do Piamonte, recoberta com chocolate ao leite”; “Ganache [que é a preparação base das trufas], recoberta com chocolate amargo”… assim seguia a curta e sugestiva descrição de cada um dos chocolates.

Facilmente notamos que depois de empreender o doce esforço de tradução do francês e de interiorização dessas descrições, a degustação dos chocolates se elevou a um nível superior. Por que? Cremos não errar se dissermos que algo que era muito agradável mas meramente simples, se transformou em um agradável sensível-intelectual, e por alcançar zonas mais profundas do espírito, o deleite foi maior, e mais duradouro. Além disso, o ler a descrição foi também o incentivo para tentar colocar em palavras as muito agradáveis sensações que estávamos tendo. Novamente, algo que era meramente sensitivo, buscava converter-se em sensitivo-racional.

Fazendo um balanço da experiência descrita, ela foi muito agradável, sem dizer que foi grandiosa. E poderia inclusive ser banal, se, enfermos da agitação superficial e animalesca característica deste mundo moderno, cometemos o crime de lesa suavidade de engolir esses superlativos chocolates como se fossem triviais doces comprados em populares lojas de bairro.

Entretanto, quantos “chocolates Marquesa de Sevigné” há que passam diante de nossos sentidos, e que nós consideremos com olhos de insignificância, de superficialidade, ou inclusive de vulgaridade… Positivamente, não são as coisas, mas o “como” se vem as coisas.

Em uma afirmação que certamente será sentença gravada em letras de bronze para uso dos séculos futuros, Plinio Corrêa de Oliveira dizia que a realidade -e particularmente as belas realidades- são só os primeiros acordes aproveitáveis para que a partir deles o espírito humano descubra sublimes sinfonias de realidades maravilhosas, transcendentes, celestiais. A partir da realidade, e usando não só a faculdade passiva-sensível mas também as boas apetências e a razão, o ser humano com a ajuda da graça pode criar, pode imaginar, pode voar até um mundo superior. Quem interioriza e pratica esta sentença, vive sua vida de outra maneira, adquire outra chave, outra perspectiva, se eleva a um alto mirante.

Tivemos a simples e agradável fortuna de degustar um pequeno encanto. E se então essas guloseimas fossem os primeiros versos de um poema, que por exemplo continua com a descrição de damas e de cavaleiros moldados ao estilo “chocolates Madame de Sevigné”? Por exemplo, como seria um guerreiro com esse estado de espírito? Mais que um gladiador, estaria na linha de um decidido, ágil e eficaz floretista, algo na linha dos mosqueteiros do Rei de Dumas. Mas ele não viveria em constante ação; dele surgiria a ação repentina quando deva exercitar-se, mas ação que cumprido sua missão, rapidamente regressa a um estado de espírito onde predomina a temperança contemplativa, essa calma necessária, por exemplo, para bem degustar… os matizes de um requintado chocolate. Como seria um castelo, um convívio, ao estilo chocolates Madame de Sevigné?

Talvez, isso é viver. Não é viver o correr. Viver é contemplar, rezar, e a partir dali atuar, para depois, e uma vez mais… contemplar.

Por Saúl Castiblanco

Por Emílio Portugal Coutinho

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