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O Fenômeno do Contágio

Redação (Segunda-feira, 18-01-2016, Gaudium Press) Certa vez São Francisco de Assis pediu a Frei Leão, seu discípulo, que o acompanhasse pois pregaria um sermão. Saíram do convento, andaram de um lado para o outro da cidade e voltaram depois de um certo tempo. Frei Leão, perplexo, perguntou a São Francisco, pensando que havia se esquecido, o que havia passado com o sermão. A isto o Santo lhe respondeu: “nosso caminhar pelas ruas foi o sermão”. Havia sido o fenômeno do contágio. Ver um monge tão humilde, tão recolhido em oração, tão compenetrado do chamado à pobreza que Deus lhe fez, foi um testemunho penetrante, foi uma pregação.

O Fenômeno do Contágio.jpgO relatado nos faz considerar como o homem se contagia do exemplo e das opiniões dos que o rodeiam. Também os ambientes têm um papel preponderante no que poderíamos chamar de contágio. É impossível que, encontrando-se, dois homens não se influenciem mutuamente, seja para o bem, seja para o mal. Muitos se preocupam com a prevenção de enfermidades contagiosas. Poucos se dão conta ou percebendo, tomam uma atitude de vigilância, diante dos perigos de contágio “espiritual” no convívio dos homens.

A influência que exercia um São Francisco de Assis era similar ao impacto que produzia um São João Maria Vianney, o famoso cura de Ars, que sendo pouco inteligente e de presença simples, exercia tal estremecimento que, perguntado um vinicultor de Mâcnnais o que havia visto na aldeia de Ars, respondeu: “Vi Deus em um homem”. Era tão Santo, que se via que ele não era Deus, mas se percebia que Deus estava nele, algo de sobrenatural transparecia em sua pessoa.

Um olhar, uma atitude de silêncio, uma meia palavra, uma presença, podem criar uma atmosfera em um lugar. Ao mesmo tempo, a ação que exercem os ambientes, os costumes, os edifícios, as cerimônias, a arte em geral -quando não e destacadamente a música-, assim como também outros e numerosos fatores que constituem o conviver cotidiano dos homens, tem seu poderoso efeito.

Recordando os tempos do grande Patriarca do monacato ocidental São Bento com seus monges, no silêncio, a disciplina e o trabalho, a oração, o estudo e o cerimonial litúrgico, acabaram cristianizando um continente, e isto tem repercutido no mundo através dos séculos. Em seu acionar exerciam uma sã influência sobre povos e cidades, marcando o ambiente com o bom exemplo de seu “ora et labora”. Através da irradiação de sua mística, ideal de vida e virtudes, transmitiam agradável perfume aos seus arredores e em suas missões apostólicas, “chegando ao grande movimento de piedade e renovação no qual se formou a ideia da Europa” (Joseph Ratzinger, Convocados no caminho da Fé).

Não parece ser a oportunidade de desenvolver os diversos tipos humanos que através da história foram aparecendo como “modelos de contágio”. Mas sim recordar que, a partir da metade do século XX, apareceram novos e singulares em meio da deterioração da sociedade. A Primeira Guerra Mundial assinalou o fim de um tipo humano caracterizado por uma forma de ser mais cerimoniosa, onde a educação e a cultura tinha um peso muito grande nas relações humanas. Tempos em que a influência religiosa era ainda destacada na vida social e pessoal.

Entrava em cena a chamada “revolução cultural”, qualificada por não poucos como pós-moderna, refletindo esteriótipos de vida caracterizados pelas más maneiras, a sujeira, a completa falta de compostura. Atitudes incompatíveis com os costumes ordenados do conviver humano fruto da evangelização que, através dos séculos, tirou os homens da barbárie. Condutas que iam desviando as almas do bem e, aos poucos, da verdadeira religião. Era, e é, a penetração da desordem, contrário visceralmente ao próprio Deus, autor de todas as formas de ordem.

Se foi produzindo uma quebra de padrões de vida repercutindo no desenvolvimento do pensamento. Este acontecimento coincidia com o que Paulo VI assinalava: “numerosos psicólogos e sociólogos, afirmam que o homem moderno tem passado à civilização da palavra, ineficaz e inútil nestes tempos, para viver hoje na civilização da imagem” (Evangelli Nuntiandi, 42). O cinema, tem incentivado especialmente a partir dos Estados Unidos, com suas imagens, dando os modelos a serem seguidos. Era a influência de Hollywood, que inundando especialmente ao mundo ocidental, marcou uma época na história do pensamento. Já hoje o modelar do pensamento das pessoas o fazem mais os meios modernos de comunicação. Deixaram de predominar os bens do espírito destacando-se o material diante de tudo; como se a vida fosse só a busca do êxito e o bem estar temporal. Saúde, dinheiro, felicidade, são os mitos. Culminando com a deformação das próprias regras morais.

“Vivemos em um tempo caracterizado em grande parte por um relativismo subliminar que penetra todos os ambientes da vida”, dizia Bento XVI (24-9-2011). Este fenômeno -no qual a verdade completa não é considerada- chegou a ter carta de cidadania nos estilos de vida, influenciando nas relações humanas, e portanto sobre a sociedade, pelo “efeito-contágio”.

Preocupava seriamente a João Paulo II a avalanche de mudanças culturais que se viviam. Dizia que, urgia restabelecer o corpo cristão da sociedade humana, e isto somente se conseguiria com a presença de testemunhos da Fé Cristã, que superem “a fratura entre o Evangelho e a vida, recompondo em sua vida familiar, no trabalho e na sociedade, essa unidade de vida, que no Evangelho encontra inspiração e força para realizar-se em plenitude” (Mane Nobiscum Domini, 34).

Refazer, recompor, restaurar a vida cristã na sociedade é o desafio. Para alcançar isso, se faz necessária, uma coerência que supere a “fratura” de vida que sofrem os homens de hoje. Só se alcançará com o “impregnar e aperfeiçoar toda a ordem temporal com o espírito evangélico” (Decreto Conciliar Apostolicam actuositatem, 5).

Por Padre Fernando Gioia, EP

(Artigo publicado em LaPrensaGrafica.com, 16-01-2016)

Traduzido do espanhol por Emílio Portugal Coutinho

 

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