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“Sem caridade, a fé católica não é autêntica”, diz o cardeal dom Odilo Pedro Scherer

São Paulo (Quarta, 16-09-2009, Gaudium Press) Sem caridade, a fé católica não é autêntica. A afirmação foi feita pelo arcebispo de São Paulo, cardeal dom Odilo Pedro Scherer, em um artigo publicado nesta semana pelo jornal ‘O São Paulo’ e também pelo ‘Estado de São Paulo’. Em alusão à Carta de São Tiago, o purpurado afirma que é essencial, para ser um bom cristão, a consideração e o apreço pelos pobres.

“Não se pode ser bom cristão, desprezando os pobres ou fechando o coração às necessidades do próximo (…) a uma comunidade que fazia discriminação de pessoas, tratando bem os ricos e desconsiderando os pobres, Tiago recorda as conseqüências concretas do mandamento do amor ao próximo ensinado por Jesus. Por isso, esta Carta poderia ser considerada a primeira “encíclica social” do Cristianismo”, afirma dom Odilo.

A Carta de Tiago, segundo o cardeal, questiona o fato de se ter fé sem colocá-la em prática, porque a fé ‘se traduz em obras’. “Tiago refere-se às ‘obras da fé’, que traduzem a fé em vida e comportamentos coerentes, sobretudo as atitudes de amor a Deus e ao próximo, o respeito à verdade e à honestidade”.

Algumas práticas da fé católica, para dom Odilo, precisam ser recuperadas ‘se não quisermos que o catolicismo fique diluído num discurso genérico, talvez até bonito’. Um dos exemplos apontados é a santificação do domingo e as missas dominicais, que permitem a alimentação da ‘vida cristã na oração’. Mas também é necessário, diz o cardeal, o exercício diário da oração, ensinamento dado pela Igreja, e a leitura da Bíblia, com o interesse ‘de quem quer ouvir Deus’.

O texto ainda aponta a prática das obras de misericórdia como recomendações sábias da Igreja principalmente pela capacidade de ‘dar um caráter concreto à nossa fé: dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir quem está sem roupas, abrigar os que não têm teto, consolar os aflitos, sepultar os mortos’.

Leia o texto na íntegra

A fé, as obras e o Ramadã

Na Missa dos domingos passados lemos, como 2ª. leitura, a Carta de São Tiago. De um lado, ela faz um convite à perseverança e a ficar firmes na fé em meio às provações; por outro lado, é uma chamada à vivência cristã autêntica, à superação de certas incoerências no comportamento que não ficam bem para os discípulos de Cristo, como ter a “língua solta” para as maledicências ou injúrias contra o próximo (cf 1,26s; 3,6s).

Mas ela traz também uma forte chamada para a caridade e a justiça, como dimensões fundamentais da vida cristã; não se pode ser bom cristão, desprezando os pobres ou fechando o coração às necessidades do próximo: “mas vós desprezais o pobre!” (2,6). A uma comunidade que fazia discriminação de pessoas, tratando bem os ricos e desconsiderando os pobres, Tiago recorda as conseqüências concretas do mandamento do amor ao próximo ensinado por Jesus. Por isso, esta Carta poderia ser considerada a primeira “encíclica social” do Cristianismo. O papa Bento XVI, de modo semelhante, nos recorda as conseqüências sociais da nossa fé num mundo globalizado, na recente encíclica Caritas in veritate .

Mas a Carta de São Tiago traz também o tema da fé, que conta alguma coisa, e a fé vazia, só de palavras. É um tema antigo e sempre atual; nele está o critério da autenticidade da religião. “Irmãos, que adianta alguém dizer que tem fé, se não a põe em prática?” pergunta ele (2,14). De fato, dizer “sou católico, mas não sou praticante”, é uma contradição. “A fé, se não se traduz em obras, por si só está morta” (2,17). Tiago refere-se às “obras da fé”, que traduzem a fé em vida e comportamentos coerentes; sobretudo as atitudes de amor a Deus e ao próximo, o respeito à verdade e à honestidade.

Os muçulmanos estão na conclusão do mês do jejum sagrado (Ramadã), durante o qual praticam o jejum, rezam com mais intensidade, vão às mesquitas ouvir as pregações e realizam outras atividades religiosas. Algo semelhante àquilo que os católicos são convidados a fazer durante a Quaresma… Isso nos questiona, se nós também realizamos as obras da fé típicas da fé católica, e não apenas durante a quaresma, mas habitualmente? “Mostra-me a tua fé, sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé pelas obras” (2,18).

Algumas práticas da nossa fé precisam ser recuperadas, se não queremos que o catolicismo fique diluído num discurso genérico, talvez até bonito. Por exemplo, a santificação do domingo e a missa dominical: indo à igreja, damos testemunho público de nossa fé em Deus, alimentamos a vida cristã na oração, na escuta da Palavra de Deus e na Eucaristia e nos animamos para a vivência da esperança e da caridade. Mas também o exercício diário da oração, como é ensinado pela Igreja e de acordo com as devoções católicas. E ler a Bíblia, Palavra de Deus, com o interesse de quem quer ouvir Deus.

A fé católica, sem a caridade, não é autêntica. Por isso, ela precisa ser traduzida nas práticas cotidianas de caridade para com o próximo; “se alguém possui riquezas neste mundo e vê seu irmão em necessidade, mas diante dele fecha o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele? Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade” (1Jo 3,17-18). A esmola, a ajuda concreta aos necessitados, o alívio das dores de quem sofre, o empenho pela justiça social e a defesa da dignidade da pessoa e de seus direitos, tudo isso são expressões concretas da fé, que opera pela caridade.

A Igreja recomenda, de maneira sábia, a prática das obras de misericórdia, que dão um caráter concreto à nossa fé: dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir quem está sem roupa; abrigar os que não têm teto; visitar os doentes e os presos, consolar os aflitos, sepultar os mortos… Ainda recordamos essas coisas, ou achamos que são atitudes “assistencialistas” e, com isso, nos damos por justificados? Mas essas são justamente as obras cobradas no capítulo 25 de S.Mateus, na cena do grande julgamento final, quando Jesus dirá: “foi a mim que o fizestes… ou não o fizestes”!

Por falar nisso, quando foi a última vez que dei uma esmola a alguém? Ou visitei um doente? Um preso? Quando foi que socorri alguém necessitado?

Cardeal dom Odilo Pedro Scherer – arcebispo de São Paulo

 

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