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Semeadores da beleza do Evangelho

Redação (Sexta-feira, 17-11-2017, Gaudium Press) Conta-se que numa pequena igreja da zona rural o pároco, para simplificar a Missa, deixou de fazer a homilia dominical, recomendando aos fiéis lê-la em casa no boletim paroquial. Poucos fiéis, porém, se animaram a ler no boletim sua prolixa exegese bíblica… Como na parábola do semeador (cf. Lc 8, 4-15), aquelas sementes da Boa-nova não puderam frutificar, pois caíram em meio aos espinhos, abafadas pela própria ausência da pregação. De fato, a Palavra de Deus produz frutos só quando os corações são regados com os jorros do próprio “Criador da beleza” (Sb 13, 3). Em suma, aquele sermão escrito, embora expondo com clareza a boa doutrina, não continha os atrativos capazes de mover os paroquianos à prática do bem.

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Jesus entre os doutores – Basílica de
Santa Catarina, Galatina (Itália)

Na mesma região, outro pároco se julgava bom pregador. Suas homilias, entretanto, eram pretensiosas, obscuras e descoladas das necessidades espirituais dos fiéis. No fundo, conforme se comentava, ele pregava por mera vaidade, sepultando assim a santificação de sua grei. Era, em síntese, pastor de si mesmo. Certo dia, solicitado a dar sua opinião acerca dessas prédicas, um paroquiano retrucou sem rodeios: “Eu as ouço de muito bom grado. Contudo, não entendo nada do que ele diz…” Como se vê, também neste caso as palavras do semeador foram infecundas. Embora acolhidas “de bom grado”, caíram em terreno pedregoso, não puderam criar raízes, por falta da água viva.

Estes dois fatos nos convidam a refletir. Ambos são ilustrativos de posturas a evitar na pregação da Boa-nova.

Para falar ao coração são necessárias obras

O primeiro pregador possuía dotes intelectuais e redigia bem seus comentários exegéticos. Contudo, sua semente não logrou penetrar na alma de seus leitores. Por quê? Porque pregou para a inteligência, esquecendo-se do coração. Em outros termos, semeou a verdade, mas sufocou a beleza. Por conseguinte, a semente da Palavra germinou, mas não amadureceu.

No segundo exemplo, deveu-se a outro motivo a ineficácia da pregação. O semeador lançou mão de eloquência ornamentada, porém desvinculada da realidade. Suas prédicas pareciam bonitas e até provocavam em alguns ouvintes um agrado momentâneo; mas, por serem destituídas de sólidos ensinamentos, acabavam levando-os à desistência após a primeira provação.

Tudo somado, por que então ambas as sementes não davam frutos? Talvez por serem espinhosas as mentes e empedernidos os corações? Na realidade, a causa se encontra não só no anunciador da Palavra, mas também nos instrumentos por ele empregados.

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Missa de 29/7/2017 na Basílica
de Nossa Senhora do Rosário,
Caieiras (SP)

Segundo um conhecido orador e escritor romano, “a retórica é a ciência de bem dizer”.1 Em outros termos, a eloquência é a arte de bem falar, de expor seus argumentos de forma clara e convincente. Arte ou ciência valiosa, sem dúvida, para pregar a Palavra de Deus; entretanto, insuficiente: no plano teológico, o orador precisa primeiro contemplar a Palavra, tirar “com alegria água das fontes da salvação” (Is 12, 3); de acordo com São Tomás de Aquino,2 deve primeiro contemplar, para depois comunicar aos outros aquilo que contemplou. Saliente-se, pois, a necessidade primordial de encarnar em si mesmo o Evangelho, para bem comunicá-lo aos demais. Nesse sentido, ilustra o Pe. Antônio Vieira: “Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada: as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo. O melhor conceito, que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que de sua vida têm os ouvintes. […] Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. […] Sabem, padres pregadores, por que fazem pouco abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos”.3

Este alerta é universal, ou seja, vale para todas as formas de apostolado e dirige-se a todos os cristãos, pois todos têm a vocação nata de santificar o mundo, “trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria” (Ef 4, 16). Assim, onde estiver, todo batizado é convidado a fazer sua vida soar mais alto que suas palavras. João Batista exortou muito pela “voz que clama no deserto” (Jo 1, 23), mas proclamou muito mais pelas obras. Daí que Jesus não perguntou às multidões “o que fostes ouvir”, mas sim: “O que fostes ver no deserto?” (Lc 7, 24). Com efeito, se as sementes do Precursor não estivessem involucradas pela santidade, não dariam frutos a cem por um.

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São João Paulo II – “Para
transmitir a mensagem
que
Cristo lhe confiou, a Igreja
tem necessidade da arte”

Reitere-se, portanto, que a transmissão da Palavra se faz mais pela visão, isto é, pelas obras, do que pela audição, pois “nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos”.4 Assim sendo, se o anúncio da Boa-nova visar simplesmente instruir (docere) as almas pela verdade, sem agradar (delectare) pela beleza, jamais conseguirá movê-las (movere) à bondade, ou seja, à conversão. 5 Exemplo supremo de semeador, nós o encontramos no próprio Nosso Senhor, cuja pregação – semeadura – foi feita conforme o seu próprio Ser, isto é, segundo a Verdade, a Beleza e o Bem encarnados.

Jesus fez belamente todas as coisas

Vimos como a beleza serve de hífen entre a verdade e a bondade. Neste sentido, o Filho foi enviado ao mundo como “imagem do Deus invisível” (Col 1, 15), verdadeiro ícone que conduz os homens, pela manifestação visível, à restauração das imagens deformadas pelo pecado original. Por outro lado, se a missão de Jesus era anunciar a “Boa-nova do Reino de Deus” (Lc 4, 43), e assim conduzir a humanidade à bem-aventurança, como a beleza Lhe serviu de caminho (via pulchritudinis) para esta finalidade?

Sem dúvida, Jesus era a Verdade e pregava a verdade; o Sermão da Montanha é prova eloquente disso (cf. Mt 5, 1-12). Contudo, sendo Ele também a Beleza por essência, todas as suas ações estavam revestidas de notável pulcritude. Se Ele mesmo, por absurdo, não fosse exemplo vivo de suas palavras, estas jamais penetrariam nos corações. Eis porque “na união da Palavra de Deus com a maior obra de Deus consistiu a eficácia da salvação do mundo”.6

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Bento XVI – A Igreja
“nunca se cansou de dar a
conhecer ao mundo
inteiro
a beleza do Evangelho”

Com efeito, atribui-se a Cristo o título de “o mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44, 3). Semelhantíssimo à Virgem Mãe, a “toda bela” (Ct 4, 7), sua sagrada face “resplendeu como o sol” (Mt 17, 2). Na realidade, o esplendor é um dos elementos constitutivos da beleza. Ora, sendo o Salvador a “Luz verdadeira, que ilumina todo homem” (Jo 1, 9), todas as suas ações despertavam naturalmente admiração, porque sempre conduzidas pela via pulchritudinis, como se comprova por diversas narrações evangélicas.

Com apenas doze anos, já “todos os que O ouviam estavam maravilhados da sabedoria de suas respostas” (Lc 2, 47). Após o Sermão da Montanha, “a multidão ficou impressionada com a sua doutrina” (Mt 7, 28). Pelas respostas dadas aos fariseus, “admiravam-se d’Ele” (Mc 12, 17). Maravilhavam-se, outrossim, ao vê-Lo dar ordem aos ventos e ao mar: “Quem é este Homem a quem até os ventos e o mar obedecem?” (Mt 8, 27); ou eram “tomados de um extremo pavor” (Mc 6, 51) após vê-Lo andando sobre as águas; e “ficaram assombrados” (Mc 5, 42) pela cura da filha de Jairo. Após a expulsão de um demônio mudo, “a multidão exclamava com admiração: ‘Jamais se viu algo semelhante em Israel'” (Mt 9, 33). Se uma imagem vale mais que mil palavras, quantos livros seriam necessários para descrever o encanto de cada uma das cenas relatadas nos Evangelhos?

A própria metáfora do “Bom Pastor” (Jo 10, 11.14) sugere, na realidade, uma adaptação do grego, pois seu significado original seria “Belo Pastor” (ποιμ?ν ? καλ?ς). Eis uma designação muito apropriada, pois a suma pulcritude do Homem-Deus refulgia em todas as suas obras, pela excelência na perfeição. Até mesmo chagado e levantado no madeiro, ao dar a vida por suas ovelhas, o Verbo Divino irradiava os divinos esplendores do Pai Eterno, atraindo todos a Si (cf. Jo 12, 32).

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Francisco – Cumpre
“recuperar a estima da
beleza para poder chegar
ao coração
do homem”

Nesse sentido, as mãos de Jesus não só tocavam, falavam. Sua boca não apenas falava, tocava os corações pelas palavras. Seu olhar não se limitava a fitar, fascinava. Se, conforme dizia o povo admirado, “Ele fez bem todas as coisas” (Mc 7, 37), antes belamente as realizou em união com a verdade. Nisso consistiu o modelo de anúncio da verdadeira, bela e boa nova da conversão para o Deus vivo (cf. At 14, 15).

O apóstolo deve encarnar em si a Boa-nova

“Christianus alter Christus – O cristão é outro Cristo”. Da arrebatadora manifestação de Jesus e do belo anúncio da Boa-nova, decorre que seus arautos, com o indispensável auxílio da graça, hão de segui-Lo conforme a via pulchritudinis, ou seja, espelhando-se neste fecundo modelo de vida e santidade. Assim, para a transmissão efetiva do Evangelho, é fundamental, antes de tudo, “saborear o dom celestial” e experimentar “a doçura da Palavra de Deus” (Hb 6, 4-5), a qual é “viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes” (Hb 4, 12). Como ressalta o Apóstolo, a Palavra de Deus contém em gérmen todas as perfeições: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (II Tim 3, 16-17).

Após contemplar a verdade, cumpre ao cristão comunicar aos outros o que nela hauriu. Contudo, reza o ditado, “ninguém dá o que não tem”. É necessário, pois, tornar-se primeiro praticante da Palavra e não simples ouvinte (cf. Tg 1, 22) para “levar a bom termo o anúncio da Palavra de Deus” (Col 1, 25). Portanto, o apóstolo deve encarnar a Boa-nova na própria vida para bem testemunhá-la. Neste sentido, a santidade é o melhor elemento de persuasão.

Aqui se enquadra o papel imprescindível da beleza na transmissão do Evangelho. Não basta pregar a verdade; é necessário “revelá-la”. Ou seja, literalmente, tirar dela os véus pela manifestação sensível, “não só com palavras, mas com grande eficácia no Espírito Santo e com plena convicção” (I Tes 1, 5). Ora, esta “revelação” da Palavra de Deus se faz principalmente pela homilética ou pela catequese. Contudo, deve efetivar-se também por meio da simples transmissão de boca a ouvido, ou mesmo de “olho a olho”, para tornar visíveis à inteligência as perfeições invisíveis de Deus (cf. Rm 1, 20). Vale ilustrar que João, o Discípulo Amado, foi testemunha fiel e eficaz do Senhor porque ao verdadeiro uniu o belo constatado pelos sentidos, conforme inicia sua primeira carta: “O que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida” (1, 1).

O papel da via pulchritudinis – via da beleza – na divulgação da Boa-nova se encontra propriamente aqui. Por uma parte, trata-se de um caminho para todos, ou seja, é uma via “católica” – universal; por outra, emprega todos os meios de difusão para atingir o homem por completo. O pulchrum – belo – começa por arrebatar sensivelmente pela atração, move a vontade para a entrega e, por fim, se perfaz no amor, ao repousar o espírito na posse do desejado.

Cumpre recordar, ademais, que a via pulchritudinis foi utilizada com eficácia desde os primórdios do Cristianismo. Com efeito, comenta São Tomás: “Os Apóstolos nos transmitiram muitos elementos que não estão escritos no cânon [bíblico]. Um deles é o uso das imagens. Donde Damasceno afirmar que Lucas pintou a imagem de Cristo e da Beata Virgem, e Cristo enviou a sua imagem ao Rei Abgar, conforme narra a História Eclesiástica”.7

O Doutor Angélico ressalta três razões para o uso das imagens na Igreja: instruir os homens incultos; fixar melhor na memória dos fiéis o mistério da Encarnação e os exemplos dos Santos; por fim, “estimular um sentimento de devoção, o qual é suscitado de modo mais eficaz por aquilo que se vê do que por aquilo que se ouve”.8 Esta confirmação é válida ainda mais para os dias atuais, na dita “civilização da imagem”, quando “torna-se mais incisivo o desejo de poder encher os próprios olhos com a figura do Divino Mestre”.9

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Nossa Senhora do Bom Sucesso
Casa Monte Carmelo, Caieiras (SP)

Concretamente, como então manifestar hoje o Evangelho pela beleza?

Basta se utilizar da longa experiência da Igreja. De fato, a Liturgia e sua rica simbologia favorecem a renovação da presença do “Belo Pastor” com um culto espiritual agradável a Ele (cf. Rm 12, 1). A retórica, aliada à vida santa, faz eco às palavras cheias de fascínio emanadas do Verbo de Deus. A arte cristã, com suas pinturas ou esculturas, participa do ofício do Criador, que plasmou o mundo com dedos de artista e dispôs tudo com “medida, quantidade e peso” (Sb 11, 20). A arquitetura gótica faz pregustar o esplendor da Jerusalém Celeste. A iconografia das igrejas, com a sequência de episódios das Escrituras, desvela os seus tesouros escondidos. A música sacra eleva ao Senhor “um cântico novo” (Sl 32, 3), sublimando as frases bíblicas, e Santo Agostinho ensina a forma mais excelente de cantar: “Quereis cantar louvores a Deus? Sede vós mesmos o canto que ides cantar”.10 Nesse sentido, “o canto alegra o espírito e faz nascer nele o desejo das coisas que o próprio canto recorda; afasta os maus pensamentos e irriga a alma para que aí nasçam e se desenvolvam fortes desejos dos bens divinos […]. A Palavra de Deus refletida, cantada e ouvida no canto, tem força para repelir o inimigo, e leva a alma a progredir nas virtudes próprias que vêm até nós pelos cânticos piedosos”.11

Sem a beleza, portanto, a Igreja se veria despojada de uma das formas mais eficazes de conversão, evangelização e santificação. Ela simplesmente deixaria de existir, se não tivesse a imortalidade garantida por seu santíssimo Fundador.

Importância reforçada pelo Magistério recente

Se a via pulchritudinis sempre foi um método eficiente para a transmissão da Boa-nova, mais ainda o é em nossos dias. De fato, verifica-se nas gerações atuais uma crescente sede desta “beleza tão antiga e tão nova”.12 Assim, toca a cada cristão deixar- -se cativar por Cristo, a fim de que o “anúncio do Evangelho” seja “percebido na sua beleza e novidade”.13 A experiência estética possui justamente este caráter de eternidade, porque se sacia do manancial da Suma Beleza, buscando sempre “recuperar o frescor original do Evangelho”,14 mas também de contínua criatividade ao se adaptar ao contexto a ser aplicado.

O Magistério pontifício, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, tem reforçado a importância da via da beleza para a transmissão da Fé. A Constituição apostólica Sacrosanctum Concilium, por exemplo, recomenda aos Bispos: “Ao promoverem uma autêntica arte sacra, prefiram os ordinários à mera suntuosidade uma beleza que seja nobre”.15

Na Carta aos artistas, João Paulo II destaca: “Para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte. De fato, deve tornar perceptível e até o mais fascinante possível o mundo do espírito, do invisível, de Deus”.16 O Pontífice polonês afirma também a necessidade de haver, concretamente na Europa, “evangelizadores credíveis, cuja vida, em sintonia com a Cruz e a Ressurreição de Cristo, irradie a beleza do Evangelho”. 17 E exorta os formadores atuais a “fazer entrever aos mais jovens a beleza de uma existência ainda hoje pronta a gastar-se pelo ideal que Cristo propõe no Evangelho”.18

Bento XVI segue de perto seu predecessor. Ressalta que a Igreja “nunca se cansou de dar a conhecer ao mundo inteiro a beleza do Evangelho”. 19 Além disso, “sempre estimou as manifestações artísticas inspiradas na Sagrada Escritura, como, por exemplo, as artes figurativas e a arquitetura, a literatura e a música”. 20 Hoje, mais do nunca, “insiste-se sobre a bondade e a eficácia davia pulchritudinis, um dos possíveis itinerários, talvez o mais atraente e fascinante, para compreender e alcançar Deus”.21 Segundo o Pontífice Emérito, os novos evangelizadores são chamados a “fazer conhecer aos outros a beleza do Evangelho que dá a vida”.22

Também no Magistério de Francisco se encontra com frequência o tema do belo como caminho de evangelização. Explica ele que, de fato, “é bom que toda a catequese preste uma especial atenção à via da beleza (via pulchritudinis)”.23 Volta ao tema pouco tempo depois: “Prestar atenção à beleza e amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo utilitarista”.24

De especial importância nesta matéria é a Exortação apostólica Evangelii gaudium, na qual o Pontífice acentua que algumas “verdades reveladas […] são mais importantes por exprimir mais diretamente o coração do Evangelho. Neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus”.25 Somos todos convidados a anunciar Cristo ao mundo. Ora, ensina-nos Francisco: “Anunciar Cristo significa mostrar que crer n’Ele e segui-Lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações”.26 Cumpre, portanto, “recuperar a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade e a bondade do Ressuscitado. […] O Filho feito Homem, revelação da beleza infinita, é sumamente amável e atrai-nos para Si com laços de amor. Por isso, torna-se necessário que a formação na via pulchritudinis esteja inserida na transmissão da Fé. É desejável que cada Igreja particular incentive o uso das artes na sua obra evangelizadora, em continuidade com a riqueza do passado, mas também na vastidão das suas múltiplas expressões atuais, a fim de transmitir a Fé numa nova ‘linguagem parabólica'”. 27

Por fim, Francisco aponta a solução para o problema levantado nas primeiras linhas deste artigo, evocando a via pulchritudinis: “Na homilia, a verdade anda de mãos dadas com a beleza e o bem. Não se trata de verdades abstratas ou de silogismos frios, porque se comunica também a beleza das imagens que o Senhor utilizava para incentivar a prática do bem. A memória do povo fiel, como a de Maria, deve ficar transbordante das maravilhas de Deus”.28

Sigamos o exemplo de Maria Santíssima

Todos nós cristãos, segundo a “multiforme graça de Deus” (I Pd 4, 10), somos convidados a participar desta sublime semeadura do Evangelho. Como vimos, a Palavra é, de si, viva, eficaz e penetrante. Contudo, como explica a parábola do semeador, muitos dela se desviam, cedendo aos inúmeros atrativos do mundo. Ficam impedidos, assim, de se saciarem na torrente transbordante da fonte da sabedoria (cf. Pr 18, 4) e serem banhados pela Divina Luz que ilumina as nações.

Para evitar o sufocamento da semente, é urgente incentivar a mergulhar “nas belezas escondidas de Jesus”.29 Faz-se necessária a convicção de que o Divino Mestre continua vivo entre nós “até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Portanto, cumpre manifestá-Lo sem véus, isto é, transfigurado, e proporcionar uma renovada presença viva do “Belo Pastor”, através da via pulchritudinis.

Para isso, nada melhor que seguir o exemplo de Maria Santíssima. Com efeito, por sua obediência irrestrita, a Palavra de Deus “Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Em seu ventre, o Sumo Artista moldou o Corpo do Divino Redentor. Após meses de contemplação, deu à luz Aquele que era “a Luz do mundo” (Jo 8, 12). Em suma, o Todo-Poderoso fez e continua fazendo maravilhas n’Aquela que Se tornou reflexo perfeito do Divino Ícone e bela alegria para todos os Santos.

A via pulchritudinis – via da beleza – nos atrai, pelo amor, ao encontro pessoal com Jesus, o “Belo Pastor”, e com Maria, a toda bela – tota pulchra. Assim, através da íntima e sublime união com Eles, a humanidade poderá encontrar a harmonia, a integridade e o esplendor proporcionados e, nesse sentido, “a beleza salvará o mundo”.

Por Pe. Alex Barbosa de Brito, EP

1 QUINTILIANO, Marco Fábio. Institutio oratoria. L.II, c.15, n.38.

2 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.188, a.6.

3 VIEIRA, SJ, Antônio. Sermão da sexagésima, n.4. In: Obra Completa. Tomo II. São Paulo: Loyola, 2015, v.II, p.53-55.

4 Idem, p.54.

5 Conforme a tríade da retórica clássica (cf. CÍCERO, Marco Túlio. Brutus, c.XLIX, n.185; Orator, c.XXI, n.69).

6 VIEIRA, op. cit., p.54.

7 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Super Sententiis. L.III, d.9, q.1, a.2, qc.2, ad 3.

8 Idem, ibidem.

9 SÃO JOÃO PAULO II. Discurso na Solenidade da Transfiguração do Senhor, 6/8/2000.

10 SANTO AGOSTINHO. Sermo XXXIV, n.6. In: Obras. 4.ed. Madrid: BAC, 1981, v.VII, p.507.

11 PSEUDO JUSTINO. Quæstiones et responsiones ad orthodoxos, q.107. In: CORDEIRO, José de Leão (Org.). Antologia litúrgica. 2.ed. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2015, p.153.

12 SANTO AGOSTINHO. Confessionum. L.X, c.27, n.38. In: Obras. 7.ed. Madrid: BAC, 1979, v.II, p.424.

13 BENTO XVI. Mensagem ao Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura por ocasião da 13ª sessão pública dedicada ao tema “Universalidade da beleza: confronto entre estética e ética”, 24/11/2008.

14 FRANCISCO. Evangelii gaudium, n.11.

15 CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium, n.124.

16 SÃO JOÃO PAULO II. Carta aos artistas, n.12.

17 SÃO JOÃO PAULO II. Ecclesia in Europa, n.49.

18 SÃO JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes na 11ª Assembleia Nacional da Ação Católica Italiana, n. 2, 26/4/2002.

19 BENTO XVI. Ubicumque et semper, 21/9/2010.

20 BENTO XVI. Verbum Domini, n.112; cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015, n.95.

21 BENTO XVI. Mensagem ao Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura por ocasião da 13ª sessão pública dedicada ao tema “Universalidade da beleza: confronto entre estética e ética”, 24/11/2008.

22 BENTO XVI. Homilia na Santa Missa para a Nova Evangelização, 16/10/2011.

23 FRANCISCO. Evangelii gaudium, n.167.

24 FRANCISCO. Laudato si’, n.215.

25 FRANCISCO. Evangelii gaudium, n.36.

26 Idem, n.167.

27 Idem, ibidem.

28 Idem, n.142.

29 SANTA TERESA DE LISIEUX. Lettre 108. A Céline. In: OEuvres Complètes. Paris: Du Cerf; Desclée de Brouwer, 1996, p.412.

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