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Viveu feliz e morreu contente

Redação (Sexta-feira, 05-05-2017, Gaudium Press) “Exultai no Senhor, ó justos” (Sl 32, 1); “Felizes aqueles cuja vida é pura, e seguem a Lei do Senhor” (Sl 118, 1). Estes e muitos outros ensinamentos dos Salmos poderiam ser citados, para mostrar o quanto a virtude e a verdadeira alegria andam sempre de mãos dadas.

Viveu feliz e morreu contente.jpgO íntimo relacionamento entre ambas aparece especialmente visível no Santo cuja vida contemplaremos aqui: São Crispim de Viterbo. Com propriedade realçou São João Paulo II em sua homilia, ao canonizar este irmão leigo capuchinho do século XVII: “O primeiro aspecto de santidade que desejo fazer notar em São Crispim é o da alegria”.1

Consagrado desde criança a sua “Mãe e Senhora”

Ele veio ao mundo a 13 de novembro de 1668, em Viterbo, cidade então pertencente aos Estados Pontifícios, e dois dias depois foi batizado na Igreja de São João Batista, recebendo o nome do avô: Pedro. Seus pais, Ubaldo e Marzia Fioretti, eram de condição humilde, porém muito respeitados por sua conduta digna e piedosa.

Sendo Pedro ainda muito criança, o pai veio falecer, mas não sem antes confiar ao seu irmão Francisco a formação do pequeno. Marzia, por seu lado, empenhava-se em dar-lhe esmerada educação religiosa e moral.

Quando contava cinco anos de idade, ela o levou em peregrinação ao Santuário de Santa Maria della Quercia, a fim de consagrá-lo a Nossa Senhora. Lá chegando, ambos se ajoelharam diante da bela imagem e a mãe disse ao filho: “Estás vendo? Esta é a tua Mãe, e eu agora te entrego a Ela. Procura amá-La sempre de todo o coração e honrá-La como tua Senhora”.2 Tais palavras calaram tão fundo na alma do menino que, até o fim da vida, jamais deixou de dirigir-se à Virgem Santíssima sem chamá-la de “Mãe e Senhora”.

Melhor um santo magro, que um pecador forte

Desde a mais terna infância, comenta um de seus biógrafos, Pedro manifestou ter um temperamento extremamente dócil e agradável, acompanhado por uma alegria contagiante, qualidades estas que “demonstravam as mais vantajosas predisposições para avançar nas vias da virtude e pressagiavam sua futura santidade”.3

Com um pouco mais de idade, adquiriu o costume de fazer sacrifícios e penitências. Jejuava a pão e água nos sábados e nas vigílias das festas de Nossa Senhora – e assim continuou a fazer quando adulto -, mesmo se estava doente. Vendo a criança sempre franzina e com a saúde debilitada, o tio Francisco dizia com rude franqueza a Marzia que ela servia “para criar frangos, e não filhos, pois Pedro não crescia porque não comia”.4 A boa mãe, entretanto, nada contestava, pois conhecia bem as causas da fraqueza do menino…

Preocupado, o tio passou a vigiar pessoalmente a alimentação de Pedro. E logo descobriu que o problema estava no espírito de sacrifício do jovenzinho, e não na falta de alimentos. Desculpou-se, então, junto à cunhada, dizendo-lhe: “Deixa-o fazer o que quer, afinal é melhor ter em casa um magro santo, que um pecador forte”.5

Aos dez anos, já ajudava como coroinha nas Santas Missas e demais tarefas de sacristão. Nessa época foi estudar gramática com os padres jesuítas e trabalhava como sapateiro junto com seu tio Francisco, ofício que exerceu até os 25 anos. Com o dinheiro obtido costumava comprar no mercado da cidade as melhores e mais belas flores para depositá-las aos pés de sua “Mãe e Senhora”.

“Por que choras, minha mãe?”

Em 1693 uma terrível seca assolou grande parte da Itália. Os habitantes de Viterbo fizeram uma procissão penitencial para implorar a Deus misericórdia e o jovem sapateiro fez questão dela participar. No trajeto, tomou contato com alguns frades de hábito marrom, que caminhavam e rezavam com modéstia e compenetração angélica. Eram filhos de São Francisco de Assis, e seu virtuoso aspecto despertou na alma do rapaz o desejo de seguir a vida religiosa.

Seguro de haver encontrado sua vocação, pediu ao padre provincial para ser aceito numa das comunidades da ordem. Depois de examiná-lo bem, o superior entregou-lhe uma carta de admissão e encaminhou-o ao noviciado de Palanzana. Pedro a mostrava aos conhecidos e familiares, dizendo: “Adeus pátria, adeus parentes, adeus amigos, adeus a todos. Agora já sou filho do Seráfico Patriarca e meu lugar é entre os irmãos leigos capuchinhos”.6 Tal era sua alegria que ninguém ousava dissuadi-lo de ser religioso. Sem embargo, sugeriam-lhe, em vão, ingressar em outra ordem menos austera, na qual pudesse seguir a via sacerdotal.

Vendo sua mãe chorar, angustiada por sua partida, disse-lhe com muito respeito: “Por que choras, minha mãe? Não me consagraste a Deus e à Santíssima Virgem quando eu tinha apenas cinco anos? Como agora queres reter contigo aquilo que doastes? A doação foi feita de livre e espontânea vontade, e com minha anuência. Portanto, é preciso cumpri-la e resignar-se”.7

Um jovem franzino na austera vida capuchinha

Cheio de alegria juntou seus pertences e partiu para o noviciado, em companhia de outros quatro jovens aparentados com ele. No caminho, o demônio tentou atrapalhá-lo de diversos modos. Em determinado ponto do percurso, surgiu um feroz mastim avançando certeiro em sua direção. Sem vacilar, ele recorreu ao auxílio da Santíssima Virgem e o animal estancou como impedido por uma mão potente, e embrenhou-se numa vinha, desaparecendo dos seus olhares.

No dia 4 de julho daquele ano de 1693, chegaram ao convento de Palanzana. O mestre de noviços, vendo a mirrada compleição física de Pedro, concluiu que não estava em condições de suportar as austeridades da regra capuchinha, e decidiu rejeitá-lo. Pedro lançou-se a seus pés e suplicou que o recebesse. Afinal, depois de passar por diversas provas, o jovem conseguiu ser admitido.

Na festa de Santa Maria Madalena, 22 de julho, revestiu-se do hábito de São Francisco e, conforme o costume das ordens religiosas, adotou um novo nome: frei Crispim, em homenagem ao mártir São Crispim, padroeiro dos sapateiros.

Sua primeira ocupação foi cuidar da horta do convento, junto com outros irmãos leigos. Aceitando a incumbência com prontidão, trabalhava durante quatro ou cinco horas debaixo do Sol, com maior empenho e força que os demais, apesar de sua frágil compleição física. Para todos era edificante vê-lo executar suas tarefas, por mais árduas que fossem, não só sem reclamar, senão até com alegria.

“Frei Andorinha do Senhor”

Vendo-o mais maduro na vocação, o mestre de noviços deu-lhe novo encargo: acompanhar o irmão esmoler. No exercício da função, frei Crispim deu mostras de virtudes incomuns e de notável espírito evangelizador.

Antes de sair do convento, cantava o hino Ave Maris Stella e partia de rosário em punho. No caminho, catequizava a quem encontrava, obtendo de muitas pessoas uma verdadeira mudança de vida.

Em pouco tempo, o jovem religioso ficou conhecido pelas redondezas. Muitas pessoas acorriam a ele para entregar suas doações, pedindo em troca outra “esmola” ainda mais valiosa: a de suas palavras e orações. A cada um ele respondia com uma inocência ímpar; por vezes, dizia ao interessado para voltar daí a pouco, pois precisava antes conversar com sua “Mãe e Senhora”.

A confiança por ele despertada nos seus interlocutores era tal, que muitos saíam de sua presença com a certeza de já terem alcançado a graça almejada. Tanto que a piedade dos que eram beneficiados levava-os a cortarem pedaços de seu manto para guardá-los como relíquia.

Certa vez um irmão professo, de grande bondade e simplicidade, notou num recanto do convento um ninho de andorinhas e observou, admirado, com quanta alegria o casal se esforçava para alimentar seus filhotes. Associando aquela imagem à alegria com a qual frei Crispim se fatigava para suprir as necessidades dos seus irmãos de hábito, apelidou-o de “frei Andorinha do Senhor”.8

Provações e trabalhos durante o noviciado

Em meio às suas obrigações, nosso Santo não abandonava as penitências corporais e as mortificações, nas quais encontrava força sobrenatural para superar as insuficiências da humana natureza. Ora, como sói acontecer, o demônio aproveitou-se disso para tentá-lo a perder o ânimo.

Instilou-lhe o inimigo infernal pensamentos de que ele se penitenciava por amor-próprio e para não ser expulso da ordem e, portanto, não era o amor a Deus que o movia, mas o egoísmo. Tão grandes foram as provas que, apesar de nunca cair em má tristeza, sua fisionomia mudou: refletia a preocupação por pensar estar desagradando a Nosso Senhor e sua Santíssima Mãe.

Percebendo a trama diabólica, o mestre de noviços e seu confessor deram-lhe ordem formal, em nome da santa obediência, de recusar imediatamente tais escrúpulos provenientes do demônio. Frei Crispim obedeceu e logo recuperou a paz de alma, recobrando a serenidade de seu semblante.

Todos os noviços o tinham como modelo de perfeição religiosa e de caridade fraterna. A tal ponto que o próprio mestre de noviços dizia a seus subalternos: “Fazei como frei Crispim”.9

Em uma ocasião, um frade foi acometido de tuberculose. Temendo o contágio dos demais irmãos, decidiram os superiores mantê-lo separado da comunidade. Necessário era designar-lhe um bom enfermeiro. Conhecedores da caridade e presteza de frei Crispim, confiaram-lhe tal responsabilidade. O jovem dedicou-se com tanto amor e cuidado ao irmão doente, que arrancou deste a seguinte exclamação: “Este frei Crispim não é um noviço, mas sim um Anjo!”.10

Desempenhando os mais humildes ofícios

Tendo feito sua profissão perpétua, frei Crispim foi designado como cozinheiro do convento de Tolfa e para lá se dirigiu. Com sua chegada, mudou radicalmente o ambiente da cozinha. Erigiu ali um pequeno altar com uma imagem da Santíssima Virgem, à qual dirigia contínuas orações, e aplicou às coisas práticas a máxima de São Bernardo: a pobreza nunca deve excluir a limpeza. Todos os que entravam naquelas dependências ficavam edificados com a ordem e boa disposição que reinavam numa parte tão prosaica do convento.

Vários foram os outros conventos pelos quais o Santo passou nos seus cinquenta anos de vida religiosa: Monterotondo, Roma, Albano e Orvieto. Em cada um desempenhou os ofícios mais simples, com humildade e despretensão singulares. Qualquer que fosse a função recebida, a alegria e o espírito sobrenatural nunca o abandonavam. E não poucos foram os milagres operados por ele ainda em vida, como a cura de diversos doentes durante uma epidemia que grassou pela Itália, apenas tocando-os ou traçando sobre eles o sinal da Cruz com sua medalha de Nossa Senhora.

Prelados, nobres e sábios iam à sua procura para suplicar-lhe a cura da peste ou tão só para sentir o bom odor da santidade exalado por sua pessoa. O Cardeal de Tremoglie, Ministro da França, foi curado de grave doença ao comer um funghi especial que o Santo lhe dera, depois de apresentá-lo a Maria Santíssima com este fim. Até o próprio Papa Clemente XI deleitava-se em conversar com ele e o ia buscar em Albano, quando ali residia.

A paz e alegria da boa consciência

Em 1750, mesmo estando com a saúde muito debilitada e já acamado, sua habitual alegria não o abandonou. Havia regressado ao convento de Roma e não querendo atrapalhar a celebração da memória de São Félix de Cantalice, um capuchinho de sua devoção canonizado havia poucas décadas, frei Crispim declarou ao enfermeiro que só morreria depois dos dois dias dedicados à sua memória na época: 17 e 18 de maio. E, efetivamente, assim aconteceu: o Senhor o levou no dia 19, aos 82 anos.

Uma verdadeira multidão acorreu aos seus funerais. Todos imploravam graças ou procuravam obter alguma relíquia. Os milagres não tardaram em multiplicar-se. No coração de muitos de seus devotos, decerto, ressoava uma frase que ele repetia, quando lhe pediam para definir a santidade: “Quem ama a Deus com pureza de coração, vive feliz e morre contente”.11

Esta frase bem resume toda a sua vida!

De fato, só aquele que cumpre a própria missão é capaz de ter genuína alegria, pois está em paz com Deus. Leva na alma, ensina Mons. João Scognamiglio Clá Dias, “a paz verdadeira, a da boa consciência de quem pratica a virtude e dá as costas ao pecado”.12

Por Irmã Clotilde Thaliane Neuburger, EP

(Do Instituto Filosófico-Teológico Santa Escolástica – IFTE – in Revista Arautos do Evangelho)

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1 SÃO JOÃO PAULO II. Homilia na canonização de São Crispim de Viterbo, 20/6/1982.

2 NIZZA, Bonifazio da. Vita del B. Crispino da Viterbo. Roma: Salomoni, 1806, p.2.

3 Idem, p.1.

4 Idem, p.7.

5 Idem, ibidem.

6 Idem, p.9.

7 Idem, ibidem.

8 BASSANO, Alessandro da. Vita del Servo di Dio F. Crispino da Viterbo: religioso laico professo dell’Ordine de’Frati Minori di S. Francesco Cappuccini. Venezia: Giovanni Tevernin, 1752, p.19.

9 CORDOVANI, Rinaldo. Crispino da Viterbo. Cenni biografici. In: Biblioteca Società. Viterbo. Vol. XXVII. Fasc. 4 (2008); p.5.

10 BASSANO, op. cit., p.21.

11 LANGA, OSA, Pedro. San Crispín de Viterbo. In: ECHEVERRÍA, Lamberto de; LLORCA, SJ, Bernardino; REPETTO BETES, José Luis (Org.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2004, v.V, p.428.

12 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A santa alegria dos humildes. In: O inédito sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2013, v.II, p.188-189.

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