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Vendedores de ilusões

Redação (Sexta-feira, 13-04-2018, Gaudium Press) Escutava por estes dias na rádio um dos programas noticiosos e de opinião mais reputados do meu país, que fazia um ‘break’ em suas informações para falar de uma conferência que nos dias seguintes daria um médico sobre o poder de cura da mente, ou algo similar.

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O apresentador do médico, um dos intelectuais mais prestigiados na nação, advertia aos ouvintes que este era um cientista, distante de qualquer coisa rara tipo ‘bruxaria’, e que suas afirmações estavam baseadas em inteligentes estudos como, por exemplo, alguns de um organismo da Universidade de Harvard.

Quando começou a falar e a apresentar sua próxima conferência, recordava já o próprio médico que o estado de ânimo tem consequências fisiológicas, que sentimentos ou pensamentos negativos ocasionam a produção interna de substâncias como ocortisol, o qual pode ser danoso em quantidades elevadas. E também falava do neurotransmissor dopamina, muito presente no sistema nervoso, que comumente tem sido associada ao ‘sistema do prazer’ do cérebro, (ainda que esta associação seja contestada por certos cientistas).

Antes da intervenção do médico, se escutou um curto segmento de mais ou menos fino humor, que certamente havia trazido momentos de consolo à audiência, e que também era recordado pelo profissional e mais ou menos posto como exemplo de como um estado de alegria poderia ser benéfico para a saúde.

Não vamos falar da conferência do profissional porque não a assistimos, nem do profissional porque somente o escutamos uns minutos. Mas -a raiz do acima relatado- sim falaremos de certos vendedores de falsas ilusões e dessas falsas ilusões.

O ser humano é um conjunto, unido, mas de partes diferenciadas, harmônico. Esse conjunto não é apenas composto por elementos materiais, mas tem uma alma, sua parte espiritual. E como conjunto, o que afeta a uma parte afeta também ao todo.

É claro que, por exemplo, se algo nos causa tristeza isto se refletirá no corpo, de diversas maneiras, seja na produção de hormônios, na afetação ao sistema imunológico, na produção ou no mecanismo de neurotransmissores, etc, etc. E vice-versa. Se degustamos uma comida bem agradável e saudável -por exemplo e para meu gosto pessoal um bom risoto, salpicado com algo de frutos do mar-, pois muito provavelmente nos sentiremos contentes, experimentaremos sentimentos ‘positivos’, nosso pensamento fluirá mais facilmente para ideias “positivas”. Isto já o constatou a ciência, a quem entretanto falta muito por descobrir em ditos campos.

Mas o bobo e o iludido é o simplista, muitíssimas vezes presente -de forma explícita ou implícita- no noticiário cotidiano: “Pensamento ou atitude positiva, é garantia de boa saúde e felicidade”. “Pense feliz, e seja feliz”. “Pensamento positivo”; “atitude positiva”; “tudo é atitude”. Frases similares foram e ainda são proclamadas por todos os lugares como a panaceia, como o remédio a todos os males, como o segredo da felicidade: e olhem como está o mundo de pior…

No entanto o mais delicado dessa propaganda simplista é a abstração que faz do mundo sobrenatural, do mundo da graça. Para ela, toda solução a tem que encontrar o homem em si mesmo, e resulta que o composto humano não foi feito para auto-alimentar-se, mas para alimentar-se em Deus.

Por exemplo, com o tema do sofrimento.

Muita -por não dizer toda- dessa literatura tipo autoajuda tem como premissa que há que evitar a todo custo todo sofrimento, o que por demais é impossível neste vale de lágrimas. Então quando este chega, o homem formado nas teses “autoajuda” buscará encher-se de pensamento “positivo”, quererá gerar em si a bem conhecida atitude “positiva”, procurará outros mil aparelhos para fazer desaparecer o sofrimento. Mas com muita frequência este não desaparecerá, e a única maneira de enfrentá-lo é às vezes com a resignação, a paciente resignação cristã, auxiliada pela graça, que encontra que o sofrimento é também um caminho para ir até Deus, para distanciar-nos das meras preocupações desta terra e viajar até a eternidade. Se o próprio Filho de Deus quis sofrer, quem sou eu para descartar seus caminhos…

Se há alguém débil, são as novas gerações, acostumadas com a facilidade, a pronta gratificação prazerosa, ao pouco esforço suprido pelos avanços da técnica. E então: somos os moles e frouxos habitantes desta neo-aldeia global os que vamos invocar as ‘super-forças’ interiores que não temos para enfrentar os crescentes desafios desta vida? Não sejamos loucos, pois louco é o que não recorre a Deus, a Nossa Senhora, aos seus Santos, aos anjos, a graça que eles nos dão.

Aí sempre esteve a graça, essa ajuda que Deus envia normalmente ao que a pede, para iluminar a inteligência, fortalecer a vontade e temperar a sensibilidade. Mas hoje ela é mais necessária. Com a graça, teremos pensamentos “positivos” inclusive quando estamos padecendo sofrimentos, ou sejamos oprimidos pelas incertezas. Com a graça teremos energias renovadas para enfrentar a luta de todos os dias, e sentiremos, inclusive em meio das dores, que com Deus iremos adiante, além das portas da morte.

A graça é essa coisa verdadeiramente “positiva” que pode tudo. Por isso temos que pedi-la, temos que rezar.

Por Saúl Castiblanco

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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